terça-feira, 23 de agosto de 2011

Momentos de reflexão... (VIII) - PORTUGAL: Limite do défice na Constituição, "teoricamente muito estranho"...




Presidente da República de Portugal,
Professor Aníbal Cavaco Silva
PORTUGAL: Limite do défice na Constituição, "teoricamente muito estranho"...


Paulo M. A. Martins ( * )
Jornalista
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paulo.m.a.martins@gmail.com


( Em Portugal )



Angela Merkel e Nicolas Sarkozy

1. Pretende-se, agora, pelas vozes de Angela Merkel e  Nicolas Sarkozy, respectivamente, Presidentes da  República Federal Alemã e da França, que os Países-Membros façam inscrever nas respectivas Constituições Políticas o seu limite de défice.

A voz do Presidente da República Portuguesa, Professor Aníbal Cavaco Silva, logo se vez ouvir e sentir, ao afirmar que estava claramente contra a ideia saída da Cimeira, enquanto o Governo e o Partido Socialista ainda se mantém discretos.

2. Efectivamente, foi com um "teoricamente muito estranho", que o Presidente da República, Professor Aníbal Cavaco Silva, decidiu assumir, corajosa e publicamente, a sua oposição frontal à proposta de Angela Merkel e Nicolas Sarkozy.
  



"teoricamente muito estranho"


Segundo o Presidente da República, "constitucionalizar uma variável endógena como o défice orçamental - isto é, uma variável não directamente controlada pelas autoridades - é teoricamente muito estranho", e "reflecte uma enorme desconfiança dos decisores políticos em relação à sua própria capacidade de conduzir políticas orçamentais correctas".

Extrapolando esta questão para outros domínios, se esta ideia vier a ser aprovada e institucionalizada no seio da União Europeia, equivalerá a dizer que os cidadãos europeus, incluindo os portugueses, na sequência da adopção desta medida, provavelmente, passarão, também, para além de outros dados pessoais, a ver registado nos respectivos Bilhetes de Identidade o seu limite de endividamento individual.

Desde já, poder-se-á afirmar que, seguramente, com a adopção destas medidas, fica, definitivamente, aberto o caminho para a institucionalização do Federalismo na Europa!

Melhor dizendo, verificar-se-á a capitulação definitiva do Poder Político ao Poder Económico, inclusive, alargando, por arrastamento, a sua influência a Países-Membros que não estão, nunca estiveram, de acordo com o Federalismo Europeu, como tem sido o caso de Portugal.

3. Olhando para trás, podemos constatar que, esta iniciativa, desde há muito, era, contrariamente à vontade do ex-Primeiro-Ministro, José Sócrates, defendida, veemente e entusiasticamente, pelo então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, pelo que, para a sua viabilização, bastaria um acordo entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata.

Todavia, importa não perder de vista que, se o Partido Socialista de José Sócrates sempre foi frontalmente contra esta ideia, sendo certo que o agravar da crise da zona euro irá, certamente, reabrir o debate entre os socialistas portugueses e os seus congéneres europeus.

Enquanto isto, José Luis Rodríguez Zapatero, Primeiro-Ministro socialista espanhol, com eleições marcadas para breve, já disse que sim, enquanto os socialistas franceses estão a vacilar.

Na tentativa de ultrapassar esta dificuldade, Nicolas Sarkozy,  deu para a troca a taxa Tobin, também conhecida por taxa Robin dos Bosques, que prevê lançar um imposto sobre todas as transacções financeiras, pelo que, se os socialistas franceses, se recusarem a assumir o limite do défice inscrito na Constituição, poderão ser acusados de contribuir para o afundamento da França na crise do euro, mesmo em vésperas de eleições presidenciais, o que poderá ser prejudicial para os objectivos de Sarkozy.

Em Portugal, o ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, foi o pioneiro, entre os socialistas, na defesa da introdução dos limites do défice na Constituição, uma luta que travou duramente contra o então Primeiro-Ministro, José Sócrates, e, mais do que nunca, acredita agora num "consenso" entre "os principais partidos", com representatividade na Assembleia da República.

Muito satisfeito com os resultados obtidos no decorrer da recente Cimeira franco-alemã, considera, agora, que "seria uma tragédia para Portugal se fosse obrigado a sair do euro. Fiquei muito satisfeito com o facto do senhor Sarkozy e da senhora Merkel se terem entendido sobre o governo económico da Europa".

Luís Amado, considera que não existe outra saída que não seja aceitar as exigências e contrapartidas de Angela Merkel e Nicolas Sarkozy: "Ou queremos ficar no euro e aceitamos as regras que nos são propostas - para não dizer impostas - no quadro da situação tão frágil que temos ou, então, temos que seguir outro caminho".

Noutra óptica, se o CDS - Centro Democrático Social sempre foi favorável à institucionalização do Federalismo europeu, também, agora, se manifesta a favor  da inscrição do limite do défice na Constituição. Por outro lado, o PSD dividia-se: Eduardo Catroga e Nogueira Leite, dois dos habituais porta-vozes do partido em Finanças, defendiam a ideia.

Agora, surpreendentemente, surge-nos o Presidente da República, Professor Aníbal Cavaco Silva, com a autoridade e a notoriedade que lhe assiste, como professor e autor de livros neste domínio, a manifestar publicamente a sua oposição frontal às ideias de Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, sustentando, ser "teoricamente muito estranho"!...


UE - União Europeia

                                                       € Euro

4. Chegados a este ponto, afigura-se-me expender algumas considerações, tais como:

4.1. Portugal, ainda, recentemente, saiu de um processo eleitoral que conduziu à eleição de uma nova Assembleia da República e à formação de um novo Governo, em coligação com o CDS - Centro Democrático Social,  liderado pelo Presidente do Partido Social Democrata, Dr. Pedro Passos Coelho.

4.2. É facilmente constatável, agravado pela actual conjuntura económica mundial e europeia, que o poder está a ser transferido dos países ditos desenvolvidos para o Sul e para o Leste e na Europa os países estão a perder poder para a Alemanha, liderada por Angela Merkel, actual Presidente, que no próximo ano vai disputar eleições.

Agora, com maior facilidade, é entendível o que Angela Merkel está a pretender fazer e alcançar. Com o tempo, a própria legislação da UE vai-se alterar para dar mais poder à Alemanha, que está em condições de conseguir algo que nunca conseguiu pela guerra, nem com Kaiser nem o com Adolfo Hitler, e agora está a fazê-lo pela via económica. Isso, significa uma alteração brutal no campo estratégico...

Luís Amado e José Sócrates

Luís Amado, ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo do então Primeiro-Ministro, José Sócrates, sustenta que, ao apoiar a inscrição do défice na Constituição, "Sempre entendi que, depois da Alemanha ter adoptado esta regra, em Junho de 2009, estava a dar um sinal aos aliados europeus e aos mercados de que cuidava da sua dívida, que ia poupar as futuras gerações de dívida excessiva, o endividamento excessivo e que, inevitavelmente, uma regra do mesmo tipo seria exigida aos Estados-Membros", consubstanciado no facto de, recentemente, "o senhor Sarkozy e a senhora Merkel se terem entendido sobre o governo económico da Europa".

4.3. Governo económico da Europa...

Quando já se utiliza, publicamente, este tipo de argumentação, não resta a menor dúvida de que o Poder Político claudicou, entregou-se definitivamente, ao Poder Económico ou, pelo menos, é o que, agora, se pretende valorizar mais!

5. Obviamente, não tenho a veleidade de pretender esgotar este assunto que só, agora, mal começou... Mas, é meu objectivo dar o meu contributo para que se inicie a sua discussão, se possível pública e com a cobertura da Comunicação Social, em ordem a melhor se poder entender e avaliar, nas linhas e entre-linhas, o que se pretende esconder, empurrando, no futuro, os cidadãos europeus para um beco sem saída...

Por agora, mal sabemos como está a começar e, muito menos, conseguimos descortinar a sua trajectória e a sua conclusão!

Mas, importa que se diga, ainda, não esquecemos, não conseguimos esquecer o que e como foi o Holocausto, o desmoronar do Muro de Berlim e a queda do Império Soviético. Assim como, estamos cientes da presença de países da então "cortina de ferro", no seio da União Europeia!

Também, não ignoramos a influência e as pressões que alguns países da União Europeia exercem para que seja institucionalizado o Federalismo...

E a identidade nacional?
E a independência nacional?
E a solidariedade nacional?
Para onde e por onde caminhamos?

O grito de alerta do Presidente da República, Professor Aníbal Cavaco Silva, apesar de se encontrar no seu período de férias, foi muito pertinente e oportuno! Notável!

Mas o silêncio que se faz sentir em torno desta questão começa a ser preocupante. Muito preocupante!...

Também, a União Europeia está, cada vez mais, vazia de ideias, de iniciativas e de liderança, sobretudo, quando os seus líderes pretendem desviar, como desviam grosseiramente, as atenções para questões marginais e pontuais, enquanto os grandes problemas se avolumam e se agravam...


Lisboa (Portugal), 24.08.2011

Paulo M. A. Martins
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(*) Jornalista Luso-brasileiro, radicado em Fortaleza, Estado do Ceará, Brasil


Professor Aníbal Cavaco Silva

2 comentários:

  1. Excelente artigo.
    Fica porém um problema por resolver. A política europeia tem servido de acólita dos interesses económicos do grande capital. Endivida-sesem limites, ficando o contribuinte como único fiador. Os estados já se encontram perto da banca-rota. Como impedir que os políticos continuem a empenhar o futuro das gerações novas? As elites políticas e financeiras europeias têm destruído sistematicamente as nações e os biotopos culturais. A arraia miuda segue a campanha anticatólica que ainda se atreve a defender os biotopos culturais.
    A União Europeia já meta água por todos os lados mas antes da queda quer destruir a pequenada! A política europeia encontra-se tão comprometida não estando interessada em reflectir. Para isso teria de arredar pé de caminhos já andados.

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  2. Meu caro amigo:

    Creio que foi o Tratado de Maastricht, que fixou já um limite para para o endividamento de cada Estado membro da União Europeia, o que se veio a traduzir nos célebres 3% do PIB, que o Tratado de Lisboa veio a consolidar, atrvés dos famosos "PEC's" Planos anuais de estabilidade e Crescimento).

    Por isso, vigorando tal Tratado na ordem interna de cada Estado, é inútil inscrever tal na Constituição, pois o referido Tratado a todos os signatários obriga e a nossa própria Constituição, no seu artº 8º, logo no seu nº 1 dispõe que "As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português", e os nºs 2 e 3 de tal norma mais obrigam ao pleno vigor das normas emergentes dos Tratados Europeus, o que até sai reforçado, mais adiante, no artº 277º nº 2 da nossa Constituição.

    Portanto, não só no nosso caso tal é inútil juridicamente, como desnecessário e, por isso e palas razões que Cavaco Silva aponta, ele tem toda a razão: Aliás, seria humilhante Portugal estar a "obedecer" a uma chefe de governo que é apenas a líder do governo Alemão e enquanto for. Não seria, pois, só uma perda de soberania, seria uma autêntica humilhação.

    Nestas circunstâncias, felicito-o pelo seu justo post, ao qual apenas dei uma "achega".

    Um grande abraço.

    E a Alemanha que se cuide, pois se é verdade que exporta muito, não é menos verdade que tem de ter quem lhe compre e se houver recessão...

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Caríssimas(os),
Minhas (Meus) Boas (Bons) Amigas(os),

Antes de mais, queiram aceitar as minhas afectuosas saudações.

Uma nova postagem está à vossa disposição em e, como tal,faço chegar ao vosso conhecimento, podendo, inclusive, desde já, se assim o entenderem, para além da leitura, produzir os vossos comentários.

Bem Hajam!

Paulo M. A. Martins