quarta-feira, 11 de agosto de 2010

“… és um homem com muitas estórias para contar!”

MOMENTOS DE REFLEXÃO… (6)
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Brasil, Fortaleza (CE),
Dias dos Pais, domingo, 08.Agosto.2010


“… és um homem com muitas estórias para contar!”


Paulo M. A. Martins
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paulo.m.a.martins@gmail.com



No passado domingo, 8 de Agosto, foi comemorado, aqui, em Fortaleza (CE), capital do Estado do Ceará, no Brasil, o “Dia dos Pais”.

Nesta ocasião, as famílias aproveitam para, conjuntamente com amigos mais íntimos e com outros, afectivamente ligados por elos e afinidades, se reunirem, comemorarem e prestigiarem os pais e, sobretudo, os mais anciãos.

É, de facto, um dia festivo, a que não estamos ainda habituados em Portugal. Mas, como não podia deixar de ser, é o Brasil na sua expressão maior de homenagear e prestigiar os ‘Pais’, sobretudo, os mais anciãos, onde as crianças, os jovens, os adultos se integram e manifestam a sua devoção paternal!

Pela primeira vez, tive o grato privilégio de, com muita simpatia, ter sido convidado, através de um familiar da minha esposa, para participar numa dessas reuniões de família, que aceitei com muito gosto, agradeci o gesto muito simpático e colaborámos com a nossa presença.

Um pouco antes do meio-dia, os presentes já começavam a ocupar os seus lugares e a tomar os seus aperitivos, enquanto aguardavam a chegada de mais familiares e amigos.

A pouco e pouco, já saboreando um whisky, servido com bastante gelo e água gaseificada, o diálogo ia-se estabelecendo entre os presentes, conhecidos e não conhecidos, enquanto as apresentações, os cumprimentos, as saudações, os olhares e as conversas se cruzavam, com a chegada de mais familiares e convidados.

Muito próximo da minha mesa, um jovem recém-casado, filho do anfitrião, prestava-se ao papel de ‘churrasqueiro de serviço’, oferecendo, como “aperitivo ou tira-gosto”, umas apetitosas e suculentas tiras de ‘picanha no churrasco’, que na sua deglutinação se misturavam com cerveja bem gelada, para uns, e refrigerantes e sucos para outros…

O ambiente já estava prestes a atingir o “boom”, quando começaram a servir os primeiros pratos. Foi uma sucessão de cozinhados regionais, característicos do Ceará, até que, finalmente, surgiu o tão anunciado, aguardado e desejado “Bacalhau com Natas”, cujo aspecto, só de olhar, era de fazer crescer água na boca...

Ao meu lado, o anfitrião, fez questão de me dizer que o bacalhau era português. De facto, o bacalhau não era português, mas, sim, da Noruega. Muito subtilmente, fiz questão de corrigir a informação e de explicar o porquê. O que acontecera, isso sim, foi que a sua filha e o seu genro o haviam trazido de Portugal, onde se encontram radicados.

Instantes depois, à medida que iam servindo o delicioso “manjar dos deuses”, surge a sua filha a anunciar e a confirmar que se tratava de “Bacalhau com Natas”, assim como, no final da sua curta intervenção, me lançou um repto, pois gostaria de saber a minha opinião. A opinião de um português.

Alguns minutos depois, chamá-la-ia para a parabenizar pela excelente ideia de incluir o bacalhau no cardápio e, sobretudo, pela sua esmerada e aprimorada confecção. Para mim, uma grande surpresa, nestas em terras longínquas do Ceará…

De fazer, ‘Huuuuuummmmm!’ e dizer: Divinal!

No seu conjunto, o “bacalhau” estava, de facto, deliciosamente bem confeccionado e, sobretudo, apetitoso e suculento, bem temperado, apaladado e muito gostoso, o qual sendo acompanhado com cerveja “estupidamente bem gelada”, mais se parecia com o ‘banquete dos deuses’.

Quem diria, que, alguma vez na minha vida, eu pudesse vir a deparar-me, aqui, na “Terra da Luz”, com uma magnífica refeição tão tipicamente ‘lusitana’?

Uma pequena nota a registar, não uma crítica, para estar cem por cento ‘lusitano’: apenas faltou ser acompanhado, ‘regado’, com um bom vinho tinto bem encorpado ou um vinho verde bem gelado, mas há que ter em atenção o respeito pelos hábitos e costumes destas paragens. Valeu!

Entretanto, o convívio não cessava e, inclusive, aumentava o tom, atingindo o seu “boom”, onde a alegria se contagiava entre os presentes, começando-se, após a sobremesa e o café, a formar pequenos grupos que, ao longo da tarde até ao pôr-do-sol, se estenderiam em longas conversas sobre os mais variados temas e assuntos, onde, também, não fui uma excepção, apesar de me considerar “um estranho desconhecido” entre os demais!

Mas, com toda a sua diversidade, tudo isto, é Brasil!

Tendo ainda ao meu lado o anfitrião, deparo-me com uma conversa cruzada entre um jovem, que estava no meio da mesa, e um adulto, sentado à minha frente, sobre questões cardiovasculares, o que, de certa forma, me chamou a atenção. Ambos sabiam do que do falavam e estavam a dizer.
Presenciei toda a conversa atentamente, para chegar à conclusão, depois confirmada, de que o adulto, há já algum tempo, havia sido submetido a uma intervenção cirúrgica às coronárias e usava, agora, complementarmente, uma ‘pilha’ a que chamam de ‘toca passo’, para normalizar os batimentos do coração, face ao fluxo sanguíneo.

Terminada a conversa cruzada, ele, olhando-me de frente, questionou-me se era português e de qual zona, sem, contudo, deixar de acrescentar que gostava muito de conhecer Portugal e a Europa, tanto mais, porque os seus afazeres profissionais (analista de sistemas - informática) já o haviam conduzido aos Estados Unidos, que já conhecia.

Foi este, o ponto de partida de uma conversa muito agradável, que se estenderia por toda a tarde, até ao pôr-do-sol, altura em que começara a surgir o lusco-fusco. Já nem era dia nem era ainda noite…

Muitas foram as questões abordadas, de parte a parte. Algumas de carácter pessoal, outras de âmbito profissional e também sobre Portugal e o Brasil.

Curiosamente, apercebi-me que, a partir de certa altura, era só eu quem falava, enquanto o meu interlocutor ouvia atentamente tudo quanto eu lhe contava. Quase bebia as minhas palavras…

Confesso que, não tenho por hábito monopolizar as conversas, mas, para ele, tudo ou quase tudo era novo… Daí a minha surpresa.

Obviamente, falei-lhe sobre os meus percursos de vida em Portugal e também no Brasil.

Da actividade desenvolvida na banca, das minhas eleições para cargos autárquicos (assembleia municipal e câmara municipal) e sobre o exercício dos meus mandatos. Da minha passagem pelos SAMS – Serviços de Assistência Médico-Sociais dos Bancários portugueses e da excelente e inigualável obra feita, da minha passagem por vários governos de Portugal, como assessor de governantes, assim como da notável obra feita com a reestruturação portuária e actividade dos portos portugueses e a sua projecção no contexto dos portos europeus. Também, não faltou a abordagem à minha passagem pelo Sector das Pescas - 1ª. venda do pescado, nomeadamente a Docapesca e o Serviço de Lotas e Vendagem. Falámos ainda da minha actividade desenvolvida na SEDES, de política e do partido político a que eu pertenço, assim como da minha dedicação, ao longo de mais de mais de 30 anos, à Rádio e ao Jornalismo e tantos outros assuntos…

Em todas essas passagens, havia sempre um ou mais factos e envolvimentos de que eu me servia para ilustrar e justificar determinadas decisões, opções ou até mesmo tomadas de posições públicas, até que o tempo, disponível e disponibilizado por ambos, face a outros compromissos sociais assumidos, se esgotou… Foi o tempo de trocámos ainda os nossos contactos pessoais para futuros encontros e ou conversas…

No momento das despedidas, com a promessa recíproca de nos voltarmos a encontrar, sorridente, em voz alta e bom som, pela segunda vez, disse-me:

“És um homem com muitas estórias por contar!
Vamos continuar!”

Tendo-lhe respondido, e, também, com muitas estórias ainda por ouvir!
Vamos continuar!

Pouco mais de duas décadas, é o tempo que separa as nossas idades, com problemas de saúde comuns, diferentes experiências vividas, assim como, de percursos bem diferentes.

Valeu a pena!

Saí mais rico!

Que venha o próximo “Dia dos Pais”, pois, se não for antes, certamente, não deixarei de ter mais estórias de vida para contar, assim como para ouvir!

É a falar, abertamente e sem preconceitos, que os homens se entendem!

Falar, recordando, é viver!



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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

MOMENTOS DE REFLEXÃO… (5) * Faleceu Mário Bettencourt Resendes

MOMENTOS DE REFLEXÃO… (5)
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Faleceu Mário Bettencourt Resendes
Jornalista e Mestre!




Paulo M. A. Martins_________________________
paulo.m.a.martins@gmail.com



- Bom Dia, Ilustre Director, bons olhos o vejam!
- Olá, Paulo Martins! Como vão os assuntos do Mar?


Num final de tarde, como vinha sendo meu hábito, encontrava-me na Redacção do Diário de Notícias quando o telefone tocou. Prontamente, atendi. Do outro lado, surgiu uma voz, para mim então desconhecida, perguntando se eu estava, tendo-lhe respondido:.

- Sou o próprio.

- Aqui, é Mário Resendes. Importar-se-ia de vir agora ao meu gabinete, pois gostaria de falar consigo.

- Com certeza, vou imediatamente para aí.

À porta do seu gabinete, a escassos metros da Redacção, o então redactor principal do Diário de Notícias, Mário Bettencourt Resendes, aguardava por mim. Instantes depois, ao chegar, cumprimentámo-nos e, de imediato, convidou-me a entrar e pediu-me para me sentar na cadeira em frente à sua secretária. Ficámos frente-a-frente, olhos nos olhos.

Para grande surpresa minha, ao iniciar a conversa, começou por me dizer que o que pretendia transmitir-me era absolutamente confidencial. Portanto, a conversa ficaria entre nós, ao que eu acedi e concordei sem qualquer reserva.

Começou, então, por me dizer que havia já algum tempo que estava a acompanhar todo o meu trabalho no “Suplemento de Economia”, que se publica à segunda-feira, e que apreciava imenso a forma como eu abordava e tratava as matérias sobre o Sector do Mar (Navegação e Transportes Marítimos, Actividade Portuária e, sobretudo, o Sector das Pescas), pelo que lhe agradeci pelas referências evidenciadas.

Depois, entrando no campo das confidências, revelou-me que, dentro de dias, iria assumir a Direcção do Diário de Notícias, substituindo o então director, jornalista Diniz de Abreu. Fiquei perplexo. Prosseguindo, convidou-me a integrar a sua equipa, propondo-se manter-me no “Suplemento de Economia” e com as mesmas áreas. E, como remate final, disse-me:

- Não se trata de um pedido ou convite informal, mas, sim, de um imperativo profissional!

Tendo-lhe respondido:

- Face à forma como me coloca esta questão, o mínimo que lhe posso dizer e, desde já, garantir é que pode contar com toda a minha dedicação, lealdade, transparência e honestidade pessoal e profissional.

Ele agradeceu-me imenso por poder contar comigo e, entretanto, ainda ficámos mais alguns momentos a conversar.

Em boa verdade, eu mal conhecia o Mário Bettencourt Resendes, apesar de, por várias vezes, nos termos cruzado no corredor de acesso ao gabinete do director, no corredor de acesso à Direcção.

Dois dias depois, o director, jornalista Diniz de Abreu, chamou-me ao seu gabinete para me agradecer por toda a colaboração prestada e dar conhecimento de que, na edição seguinte, o Mário Bettencourt Resendes assumiria a Direcção do Diário de Notícias, pelo que estava confiante de que viesse a ser convidado para integrar a sua equipa.

Não só não reagi perante a informação, como respeitei a escrupulosamente a confidencialidade da conversa havida dois dias antes, que, agora, pela primeira vez, estou a revelar publicamente.

Ao longo do tempo, mantivemos uma excelente interacção pessoal e profissional, tendo o seu ponto mais alto ficado fortemente marcado pela questão da “matança indiscriminada de golfinhos nos Açores”, uma reportagem da revista alemã “Quick”, que o Canal 1, da RTP, transmitiu, com toda a pompa e circunstância, no Telejornal das 20m horas, do Dia de Portugal, 10 de Junho de 1992.

No dia seguinte, como habitualmente, passei pelo Ministério do Mar, em Lisboa, onde era aguardado pela Directora Regional de Pescas da Região Autónoma dos Açores, que pretendia falar comigo, tendo por objectivo a reposição da verdade sobre o trabalho apresentado, na véspera, pelo Canal 1, da RTP.

Obviamente, sem qualquer compromisso, a pedido de um director da Direcção-Geral de Pescas, ouvia-a atentamente, colhendo algumas notas sobre as suas declarações, disse-lhe que, antes de mais, teria que conversar sobre o assunto com o meu director, curiosamente, também, açoriano, e só depois voltaríamos, se fosse o caso, a marcar novo encontro para conversarmos.

De imediato, dirigi-me para o Diário de Notícias, onde, por outros motivos, o Mário Resendes me aguardava. Falei-lhe sobre a questão dos golfinhos e sobre a conversa havida com a Directora-Geral de Pescas dos Açores. Depois de me ouvir atentamente, o Mário Resendes perguntou-me se estaria disponível para me deslocar aos Açores, à Cidade da Horta, no Faial, a fim de, dada a gravidade do assunto, fazer uma reportagem mais circunstanciada, inclusive com a possibilidade, caso achasse necessário, de me deslocar a outras Ilhas do Arquipélago dos Açores, como se veio a verificar.

Dias depois, parti para a Cidade da Horta, na Ilha do Faial, onde durante cerca de uma semana fiz reportagem, tendo-me, também, deslocado à Ilha do Pico e à Ilha Terceira. Tudo foi passado a pente fino. Conversas com armadores, pescadores, pessoal das Lotas, cientistas, técnicos, autoridades civis e militares, políticos, etc., etc. Foi, de facto, um trabalho extenuante mas agradável.

Quando no regresso, com dez páginas de formato A4 impressas, desloquei-me ao Ministério do Mar para falar com o Ministro sobre o assunto. Depois, desloquei-me, imediatamente, para o Diário de Notícias, onde o Mário Resendes já me aguardava, evidenciando alguma impaciência pela minha demora.

Já no seu gabinete, depois de uma conversa sobre a viagem, sem quaisquer comentários, fiz-lhe a entrega do texto impresso e de algumas fotos, tendo, de imediato, chamado o responsável pelo Departamento de Fotografia do “DN” para avaliar a sua qualidade, tanto mais, porque algumas eram as fotocópias de fotos entregues, em mão, por um representante da revista “Quick” ao Ministro do Ambiente.

Depois de uma leitura atenta do texto corrido, ainda sem título, subtítulos, legendas para as fotos, pediu-me a ‘diskete’ e iniciámos a paginação (diagramação) do trabalho. Depois de duas horas, o trabalho estava pronto a dar à estampa, a ser publicado. Deu-me os parabéns pelo trabalho realizado e despedimo-nos.

Missão cumprida!

Estava reposta toda a verdade dos factos, desmascaradas e desmontadas todas as campanhas de mentiras caluniosas e criminosas que pretendiam arrasar com a pesca do atum em águas açoreanas, onde a presença e a influência do ‘Green Peace’ não era pacífica!

Dias depois, voltámo-nos a encontrar e ele disse-me que ia deslocar-se aos Açores, onde entre outros assuntos, iria apresentar o trabalho que seria publicado no domingo, 6 de Setembro. E, ‘en passant’, dizia-me:

- Agora, já é tarde, se não fosse por coisas, levava-o comigo!

Na semana seguinte, depois de regressar dos Açores, mandou-me chamar para me dizer que já estava muito arrependido de não me ter levado com ele, pois a apresentação do trabalho tinha sido um sucesso nunca visto nem imaginado, assim como a edição do Diário de Notícias havia esgotado literalmente em toda a Região Autónoma dos Açores.

Todavia, as repercussões também se fizeram sentir no Continente e no estrangeiro. Perante o silêncio absoluto e rigoroso da RTP, toda a Imprensa, Rádio e restantes canais de TV fizeram eco. Também, em minha casa, o telefone não deixou de tocar durante todo o dia…

Obviamente, todo o relacionamento com o Mário Bettencourt Resendes não se esgota neste pequeno episódio. Foi muito mais do que isso: o director, o amigo, o companheiro, o camarada e, porque não, também o irmão?

A Comunicação Social portuguesa acaba de perder um dos seus mais brilhantes, competentes, sérios, honestos, transparentes e frontais profissionais: Um Jornalista e, dada a sua actividade docente, também um Mestre!


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HOMENAGEM A MÁRIO BETTENCOURT RESENDES
Jornalista e Mestre!
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GOLFINHOS DOS AÇORES
foram arma comercial



Por:
Paulo M. A. MartinsNos Açores


Uma reportagem publicada recentemente numa revista alemã, que acusava os pescadores açorianos de massacre de golfinhos, poderá estar relacionada com as dificuldades na conquista de mercados por parte de indústrias conserveiras de outros países.

O DN - Diário de Notícias investigou e descobriu que a Quick, por sinal uma publicação com a morte já anunciada, utilizou indevidamente fotografias, procedeu a montagens e pode ter sido “inspirada” por organizações ecologistas com ligações a conserveiras.

A reportagem foi publicada na Alemanha por uma revista conhecida pela sua propensão para o sensacionalismo, a “Quick”. Estava-se em Junho quando a televisão divulgou a notícia e mostrou as imagens que deixaram o País surpreso e incrédulo.

Afinal, tudo não passou de uma história e, até ver, propositadamente mal contada...


MATANÇA DE GOLFINHOS NOS AÇORES
FOI UMA MONTAGEM


“O ofício sangrento dos caçadores portugueses de atum – golfinhos ingénuos esquartejados para isco” foi o título de uma reportagem assinada por Gerhard Walter, publicado pela revista Quick, edição de 11 de Junho, enquanto a Eco-92 decorria no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro.

É um trabalho desenvolvido ao longo de quatro páginas, ilustrado com fotografias, e cujo texto denuncia a captura de golfinhos com a utilização de arpões e caçadeiras. Os animais, depois de esquartejados em pequenos pedaços, serviriam de isco para, de imediato, serem utilizados na pesca do atum.

O crime teria lugar nos Açores, mais concretamente na Ilha do Pico, e envolveria uma pequena frota de dez embarcações. A verdade será, afinal, muito diferente da versão do repórter alemão.

A notícia da matança indiscriminada de golfinhos, nas águas da Região Autónoma dos Açores, foi divulgada em primeira mão pelo Canal 1 da RTP, ao fim da noite de 10 de Junho. No ar, ficara a estupefacção, a emoção e, até mesmo, a revolta perante a crueza e violência dos factos denunciados pela revista alemã Quick, “ensanguentando”, com todo o sensacionalismo o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, com Portugal a exercer a presidência da CE e, simultaneamente, a participar, no Rio de Janeiro, na Eco-92.


Cenário montado


No dia seguinte, a revista Quick chegava às bancas e no Ministério do Ambiente, em Lisboa, um seu representante, de férias em Portugal, procedia à entrega de material fotográfico adicional (fotocópias de fotografias coloridas) classificado de secreto, e denunciador da carnificina de golfinhos.

O cenário estava montado e as suas repercussões fizeram-se sentir, de imediato, no seio da Eco-92, colocando Portugal, particularmente os pescadores açorianos, no banco dos réus da opinião pública.

No acto da entrega das “provas” ao Ministério do Ambiente, foi declarado, aos órgãos de comunicação social, que as 18 fotografias haviam sido batidas oito dias antes da publicação do “exclusivo”, assinado por Gerhard Walter, durante uma pescaria nos Açores, ocorrida em Junho, como de resto, é referido na reportagem.

Analisadas as “provas”, a que o DN teve acesso, concluiu-se que as fotografias, utilizadas pela Quick faziam, afinal, parte de uma reportagem fotográfica, realizada pelo fotógrafo italiano Paolo Piola, em 1987, algumas das quais foram, nesse ano, vendidas a uma empresa de publicidade de Génova. Anualmente, desde 1987, a Associação dos Industriais de Conservas de Peixe dos Açores, que integra a B. J. Borges, SA., Cofaco – Comercial e Fabril de Conservas, SA. e a Corretora – Soc. Corretora, Lda., desenvolve campanhas promocionais sobre as conservas de atum em Itália, principal destinatária das exportações açorianas, que ascendem a cerca de dez mil toneladas/ano.


As “provas” à lupa

Segundo documentação em poder do DN, foram publicadas algumas fotografias propriedade da referida Associação, detentora dos respectivos copyrights, que haviam sido utilizadas nas referidas companhas promocionais, sob a responsabilidade da empresa de publicidade Classis – Génova. Sobre as “provas” entregues no Ministério do Ambiente, posteriormente analisadas, conclui-se:

• Da colecção de 18 fotografias, destaca-se uma que apresenta o porto de Génova, em Itália, que se pretendia fazer passar por um dos portos açorianos... não fosse a presença, em excelente plano, de uma lancha da Polícia italiana;

• A fotografia publicada na página 12, com a legenda “O que fica dos confiantes mamíferos do mar são pedaços de carne / ensanguentadas iscas para a pesca do atum / por dia e por barco morrem três golfinhos”, refere-se à demonstração de uma das fases de preparação do atum para conserva, onde se procede à retirada do sangacho, obtida nas instalações fabris da Cofaco, na ilha do Pico. Trata-se, segundo as provas em poder do DN, de uma fotografia largamente difundida em Itália, figurando em calendários, dépliants, livros de receitas culinárias regionais sobre o atum e não como falsamente se pretende, a preparação de uma isca;

• Também várias outras, demonstrativas da pesca do atum, foram publicadas em anos anteriores a 1992;

• As duas fotos publicadas com a legenda “Em barcos de pesca portugueses são esquartejados os mamíferos do mar, amigos do homem” pertencem à mesma colecção de 1987.

Perante os factos apurados, o DN avançou para o terreno, onde desenvolveu, durante vários dias, particularmente nas Ilhas do Pico, Faial e Terceira, inúmeras pesquisas, contactos e investigações tendentes ao apuramento da verdade possível.


Apenas a cana de pesca

Na pesca do atum nos Açores é utilizada, exclusivamente, como arte de pesca, a cana com isco vivo, tendo como aparelhos específicos os anzóis, a vara, o salto e a linha de mão, e que se denomina de “salto e vara”. Esta arte, altamente selectiva, é usada na Comunidade Europeia apenas pela frota atuneira portuguesa açoriana e madeirense, pela frota basca no Norte de Espanha e por uma pequena frota francesa no Mediterrâneo. Os Açorianos nunca utilizaram redes para a captura do atum. Tanto a frota artesanal como a industrial, nos Açores, praticam, como método tradicional, a pesca com isco vivo para a captura de tunídeos, confirmando, claramente, não fazer qualquer sentido a referência à matança de golfinhos e o seu esquartejamento para isco.

Aliás, anualmente, é publicada legislação nacional que permite às embarcações atuneiras dos Açores e Madeira operar junto à costa precisamente para lhes possibilitar a captura do isco vivo para a pesca do atum.


Absurdo

Daí que, a bordo das embarcações, o isco seja mantido vivo durante vários dias dentro de tanques de secção quadrada, sob renovação contínua de água. Normalmente, utiliza-se como isco sardinha pequena, carapau, chicharro e cavala, que, durante o tempo de permanência nos tanques e até à sua utilização, são alimentados com peixe moído e papas de farinha de milho.

Assim, de acordo com a espécie utilizada como isco vivo e o seu tamanho, irá corresponder a espécie e a dimensão do atum a capturar, destacando-se o patudo, bonito, voador, rabilo e albacora.

Refira-se, ainda por cima, que as embarcações de pesca a que se refere a reportagem da Quick fainam no mar, no máximo, dois dias consecutivos, sendo absurda a afirmação produzida, segundo a qual registam uma permanência de 12 dias.

Em 1983, antecipando-se à promulgação da legislação nacional, a Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma dos Açores fez aprovar leis interditando as capturas de mamíferos marinhos, designadamente todas as espécies de golfinhos.

A partir dessa altura, os pescadores açorianos assumiram como “código de honra” o rigoroso cumprimento dessa determinação legal.

Todavia, importa sublinhar, foi o renunciar a hábitos e tradições arreigados e seculares, já que, tal como na Região Autónoma da Madeira, a carne de golfinho fazia parte da alimentação, assim como a captura da baleia, outrora base da economia da Ilha do Pico, é motivo de celebração de festas tradicionais que anualmente se realizam.

Hoje, decorrida quase uma década, é patente a adesão das populações às novas regras de vivência e postura. É de admitir, no entanto, que ainda possam subsistir alguns infractores, pertencentes a gerações mais antigas, ou outros animados pela curiosidade, muitas das vezes estimulada e incentivada por forasteiros que não perdem a oportunidade para “saborear” um naco de carne de golfinho.


Explicação

A fotografia da Quick onde se esquarteja um golfinho é explicada por um dos responsáveis pela unidade fabril da Cofaco, na ilha do Pico, “como o exemplo de um caso pontual onde o pessoal da tripulação, pressionado e incentivado por pessoas estranhas que, com regularidade, embarcam nos navios para presenciar a pesca do atum, se deixa ingenuamente arrastar para a contravenção”.

Tratar-se-ia de “um caso pontual ocorrido em 1987, cujas imagens agora vieram a lume, quando a embarcação visada permanece, juntamente com mais sete, varada há cerca de quatro temporadas, primeiro por falta de tripulação e, de momento, aguardando o final da tramitação administrativa para, com mais quatro, integrar uma sociedade mista luso-cabo-verdiana”.

É muito frequente verificar-se nas embarcações a presença de fotógrafos, operadores de televisão e cinema e jornalistas nacionais e estrangeiros, além de inúmeros turistas que, atraídos pela curiosidade e pelo fascínio provocados pela espectaculosidade da pesca do atum com salto e vara, aproveitam para registar a raridade dos momentos impressionantes e inesquecíveis que esta actividade propicia.

Hoje, é bem visível na Ilha do Pico o florescimento de um produto turístico ligado à pesca, aos mamíferos marinhos e à antiga actividade baleeira. O museu da Vila das Lages do Pico, a reconstrução das antigas fábricas da baleia, a reactivação das vigias e lanchas baleeiras para passeios turísticos e a realização de regatas são disso bons exemplos.


Devoradores de peixe
sob controlo no Japão


São conhecidos os efeitos depredadores do golfinho, dado que a sua presença afugenta os cardumes, obrigando os pescadores a um esforço acrescido de trabalho, dispêndio de tempo e combustível.

Também, como seu sustento diário, devoram os cardumes numa proporção que varia entre cinco a dez por cento do seu peso, concorrendo para a depauperação dos stocks dos recursos piscícolas disponíveis, que, por sua vez, estão ainda sujeitos a esforço de pesca.

Recorde-se, a propósito, que os japoneses, anualmente, no início da Primavera, e com o objectivo de desenvolverem a renovação, o rejuvenescimento e o controlo dos stocks de golfinhos, procedem a um abate selectivo, onde, primeiramente, são eliminados os mais antigos.

Importa sublinhar que ascendem a centenas de milhares os golfinhos que passam e permanecem em águas açorianas.

O aparecimento frequente de cardumes de golfinhos ao longo das costas das ilhas é um fenómeno corrente com o qual os açorianos convivem há séculos e, se transformou, nos últimos anos, num fenómeno de atracção turística.


UMA GRANDE “PESCARIA” DE INTERESSES


A intervenção das organizações ecologistas no que se refere à relação pesca do atum/captura acidental de golfinhos tomou enormes proporções desde 1989, com reflexos negativos no mercado internacional do atum, a que não são alheios fortes interesses comerciais. Vejamos os factos:

- Numa zona bem definida do Pacífico Leste, acontece um fenómeno único, ainda não explicado cientificamente: os cardumes de golfinhos coabitam com os cardumes de atum. Nesta zona, extremamente rica, pescam frotas centro-americanas, nomeadamente a frota mexicana, a segunda maior do mundo. Nos últimos anos, o México incrementou a sua frota e indústria de conservas, exportando grandes quantidades de atum e conservas, nomeadamente para o seu vizinho, os EUA.

Trata-se de frotas de grandes navios que utilizam como arte as redes de cerco e que, devido a este fenómeno de coabitação, capturavam por ano, nas suas redes, até muito recentemente, centenas de milhares de golfinhos cujos cadáveres eram devolvidos ao mar. Este fenómeno já vinha a ser denunciado por organizações ecologistas, nomeadamente a Greenpeace.

• Em 1989, a maior empresa de conservas norte-americana promove uma gigantesca campanha publicitária das suas conservas, que passaram a ser vendidas com o rótulo “Dolphin Safe”, significando que as suas conservas eram feitas com atum que não provinha do Pacífico Leste e, portanto, não eram responsáveis pela morte de golfinhos. Esta campanha foi lançada com o apoio da Greenpeace, que passa a receber uma comparticipação financeira pelos rótulos utilizados.

• Simultaneamente, foi promovida uma grande pressão política para que fosse proibida a importação de atum e conservas dos países que utilizam atum capturado naquela zona. Esta pressão atingiu os seus objectivos e, um ano depois, os EUA declaram o embargo às importações.

• Esta medida teve efeitos directos desastrosos na indústria atuneira centro-americana, nomeadamente a mexicana e efeitos indirectos no mercado internacional do atum que ainda hoje se faz sentir. De facto, a produção sul-americana tentou desesperadamente encontrar outros clientes, invadindo o mercado internacional com atum a preços baixíssimos, prejudicando todos os outros produtores, nomeadamente os comunitários. Entre 1990 e 1992, os preços do atum no mercado internacional atingiram o valor mais baixo dos últimos dez anos.


Observadores nos pesqueiros


• Entretanto, foi mobilizado um vasto e dispendioso programa de colocação de observadores de organizações ecologistas e estatais a bordo dos navios de pesca de atum que operam no Pacífico Leste, financiado pelos governos interessados, que vigiam as operações dos navios e libertam os golfinhos que caem nas redes antes de estas serem aladas.

• Actualmente, a Comissão das Comunidades Económicas estuda a possibilidade de os países comunitários declararem também o embargo, tentando conciliar as regras do Direito Internacional com os interesses comerciais, por vezes contraditórios, dos Estados- membros.

• Uma outra questão começou a dar os primeiros passos a nível mundial, culminando com uma resolução das Nações Unidas: foi proibida a utilização de redes de emalhar para a captura de grandes pelágicos, redes que podiam atingir 50 quilómetros de extensão e que, além de realizarem uma captura indiscriminada, constituíam autênticos cemitérios oceânicos quando perdidas. Trata-se de uma arte muito produtiva e eficaz, cuja proibição atingiu as frotas de todo o mundo.

• Esta medida, extremamente polémica, foi aprovada por todos os Estados membros da CE, com algumas reticências da França, e claramente apoiada por Portugal na Comissão Internacional para a Conservação do Atum do Atlântico.

Esta comissão, integrando 23 países que pescam no Atlântico, é responsável pela gestão internacional dos stocks de atum deste oceano, sendo presidida, desde 1991, por Adolfo Ribeiro Lima, secretário regional da Agricultura e Pescas dos Açores.

• As organizações ecologistas resolveram, entretanto, começar a intervir no oceano Atlântico, onde, como é sabido, não existe a coabitação dos cardumes de golfinhos com os cardumes de atum, mas poderá existir, isso sim, um pequeno índice de capturas acidentais de golfinhos nas redes de cerco. Com o fim de defender os interesses da frota atuneira de cerco (espanhola e francesa) que opera no Atlântico, a CEE já lançou um programa que visa a colocação de observadores a bordo destes navios, para que não subsistam dúvidas quanto às características da pesca no Atlântico.

• O que parece certo é que as conserveiras europeias vão chegar a acordo com as organizações ecologistas e, também elas, mais cedo ou mais tarde, vão passar a utilizar nas suas latas de conservas os rótulos “Dolphin Safe”, agora nas versões das diversas línguas comunitárias...

Nesta polémica das artes de pesca do atum há um ponto em que todos parecem estar de acordo, e que vem bem expresso nos mais diversos relatórios científicos, é que a arte utilizada pela frota portuguesa, o “salto e vara”, é a única que garante a protecção completa dos mamíferos marinhos e a selectividade da pesca das próprias espécies de tunídeos.


Críticas de biólogos
na revista “Quick”


A Quick revelou ter também fotografias secretas que provariam o incumprimento premeditado, pelos pescadores de um país da Comunidade, do direito internacional sobre a protecção dos animais.

É referido ainda que, na lei “sobre a conservação das plantas e animais selvagens europeus”, do chamado tratado de Protecção (subscrito por Portugal), o golfinho foi considerado “espécie sob protecção rigorosa”.

No “exclusivo”, Gerhard Walter apresenta depoimentos de entidades relacionadas com a área ecológica e protecção da natureza. A bióloga marítima e presidente da Sociedade Protectora dos Mamíferos, a alemã Petra Deimer, figura bem conhecida pelas comunidades piscatórias, dadas as suas frequentes permanências nos Açores, relacionadas com questões da actividade baleeira na Ilha do Pico, é uma das entrevistadas. Frontalmente, acusa os pescadores portugueses de “premeditada e perfidamente”, assassinarem os golfinhos com total desrespeito pela lei vigente.

Ao declarar que, “na verdade, a pesca à linha constitui uma boa possibilidade de assegurar a existência do atum no Atlântico, mas que aquela que os pescadores dos Açores pratica escarnece todo e qualquer pensamento de protecção da natureza”, a bióloga e especialista em protecção da natureza junto da World – Wildlife - Fund (WWF) alemã, Gonvar Pohl-Appel, sugere que, “em vez de carne de golfinho, os pescadores podiam também atirar para a água latas de folha, como isca, porque o atum pica tudo o que se mexe na água”.

Pela Greenpeace, o biólogo Thomas Henningsen, comentou que “a verdadeira tragédia deste acto bárbaro se deve ao facto de os criminosos não poderem ser apanhados em flagrante”, e acrescenta: “Quem pode fiscalizar barcos tão pequenos fora do mar? Além disso, todas as provas a bordo são imediatamente inutilizadas e, em terra, torna-se impossível demonstrar o assassínio dos golfinhos.”


CE comenta


Contactada a CE, em Bruxelas, Xavier Prats declarou à Quick: “O assassínio dos golfinhos, para além de ser uma infracção às normas da CE, é contra toda a moral. Pouco podemos intervir. Resta-nos solicitar ao Governo português que ponha termo a esta carnificina”.

Gerhard Walter inclui um depoimento do maior importador de atum da Alemanha, Werner Krugel, da Saupiquet, em Nuremberga, responsável pela venda anual de 200 milhões de latas de atum que declarou: “Quem pesca atum com carne de golfinho é demente. Lutaremos por todos os meios contra este mau precedente. Há anos que lutamos por uma pesca de atum limpa, prescindimos das redes de emalhar para proteger os golfinhos e outras espécies vivas do mar e, entretanto, sucede um caso como este. Esta gente coloca os pescadores honestos com má fama. É como uma família com três filhos, se um se porta mal todos os outros são castigados pelo mesmo motivo”.

O autor faz ainda uma estimativa dos golfinhos mortos por ano nos Açores, considerando que “estão a ser mortos, por dia e por barco, três golfinhos. Numa frota de dez barcos, que, como se provou, foram observados no seu sanguinolento ofício, são 30 animais. Os barcos ficam em média 12 dias no mar - o que representa cerca de 360 golfinhos por viagem.

Os pescadores portugueses vão duas vezes por mês ao mar, 24 vezes por ano. Na pior circunstância, ou seja, por ano, são 8600 golfinhos”.

Paulo M. A. MartinsAçores, Agosto.1992

***

Grande Reportagem, “GOLFINHOS DOS AÇORES foram arma comercial”, publicada na edição de domingo, 06.Setembro.1992, do DN - Diário de Notícias, Lisboa - Portugal, com manchete, na 1ª. página e desenvolvimento nas páginas 18 e 19.
*****

Legendas das fotografias
• O atum, nos Açores, é apenas capturado à cana, pelo método de “salto e vara”
Foto: Direitos reservados PM/DN.

• Na captura do atum é utilizada, exclusivamente, a cana com isco vivo, tendo como aparelhos específicos os anzóis, a vara, o salto e a linha de mão, e que se denomina de “salto e vara”.
Foto: Direitos reservados PM / DN.

• Os métodos de reportagem utilizados pela revista “Quick” permitiram que esta foto do porto de Génova, em Itália, fosse apresentada como sendo dos Açores.
Foto: Direitos reservados PM/DN.

• A Greenpeace – ligada a uma campanha do maior produtor de conservas norte-americano – juntou-se ao coro de protestos
(Foto: EPA - Lusa).

• Qualquer pessoa ligada ao sector sabe que não há confusão possível entre a carne de atum e a de golfinho
(Foto: Direitos reservados PM / DN).


* * * * * *

quarta-feira, 21 de julho de 2010

ANTÓNIO ALBERTO CORREIA CABECINHA * Faleceu um “histórico” da social-democracia e do sindicalismo de Portugal

Faleceu um “histórico” da social-democracia e do sindicalismo de Portugal

ANTÓNIO ALBERTO CORREIA CABECINHA



Para grande estupefacção minha e consternação profunda, pela mão do Jorge da Paz Rodrigues e do José Manuel Torres Couto, recebi, aqui, em Fortaleza (CE), Brasil, a nefasta notícia da morte do meu amigo e companheiro de lutas e combates políticos e sindicais, António Cabecinha, de 63 anos, uma referência por excelência para mundo livre e humanista. A cidade de Portalegre, no Alentejo, foi o palco do último adeus a António Cabecinha, onde agora jazem os seus restos mortais para a eternidade dos tempos.

Para trás, na memória do tempo, ficou um percurso caracterizado por uma militância invulgar que se desdobrou em várias frentes de intenso combate político e sindical: o Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, a UGT – União Geral de Trabalhadores, da qual foi um dos seus fundadores, e a Assembleia da República, onde foi deputado eleito pelo PPD/PSD – Partido Social Democrata.

À distância, falar de António Cabecinha não é fácil, mas nunca poderei esquecer que, na década de 80, por sua sugestão, através do António Valente Bento, do Miguel Camolas Pacheco e do José Pereira Lopes, me chegou o convite, com o rótulo: um imperativo da TESIRESD – Tendência Sindical Reformista Social Democrata, para integrar o Conselho de Gerência dos SAMS – Serviços de Assistência Médico-Social do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas. Em pouco mais de duas escassas horas, fui requisitado ao Crédit Franco-Portugais, onde exercia funções de chefia, para tomar posse imediata e assumir funções, depois de na véspera ter dado a minha concordância.

Daí em diante, foi a sucessão continuada dos nossos encontros regulares, particularmente no Restaurante “Caçula”, na Rua das Pretas, em Lisboa, onde conversávamos sobre a nossa actividade sindical e político-partidária.

Pela minha frente, tinha a presença de um verdadeiro combatente, a que por vezes, em outros locais, se associava a presença e a intervenção de Carlos Macedo, então Secretário de Estado dos Assuntos Sociais.

Três anos depois, com a minha ida para o Município de Sesimbra, onde estive a desempenhar as funções de deputado municipal e de vereador da Câmara Municipal, foi a interrupção do nosso contacto permanente.

De vez em quando, tinha o privilégio da sua visita, normalmente, seguido de jantar que se prolongava até altas horas da noite, assim como chegamos a ter encontros de trabalho com o Dr. Francisco Sá Carneiro na sua própria residência.

Mais tarde, quando na Docapesca - Portos e Lotas, SA, e no Ministério do Mar, onde era assessor do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e das Pescas, António Cabecinha, nas suas deslocações a Lisboa, sempre me privilegiava com as suas visitas e encontros, seguidos de longas conversas, onde escutava atentamente o seu conselho amigo.

Em todo este tempo de interacção e convívio, não posso esquecer o desgosto que o invadiu profundamente: a extinção da TESIRESD e a criação dos Sócio-Profissionais do PSD. Foi no Congresso do PSD, em Braga, com o Professor Mota Pinto, onde estive, presencialmente, como delegado pela Concelhia de Sesimbra. Um “espectáculo” doloroso e para esquecer, mas que, por muito que não queiramos, nos vem sempre à memória…

António Cabecinha, já antes, no Congresso da TESIRESD, na Foz do Arelho, onde não estive, e, depois, no Congresso do PSD, em Braga, doloroso, de lágrimas a rolarem-lhe no rosto, mais parecia um pai que havia perdido o seu filho amado, enquanto os “traidores” se vangloriavam com a “vitória” alcançada…

Depois, paulatinamente, foi o “enterro definitivo” da actividade sindical social-democrata, enquanto alguns dos seus mentores se foram transferindo, de armas e bagagens, para o Partido Socialista, pois terem a oportunidade de serem “deputados” e usufruírem de outras “benesses político-partidárias” é outra história, cujos resultados são sobejamente conhecidos, sempre cumulados por sucessivas “traições”…

Hoje, António Cabecinha já não se encontra entre nós, no mundo dos vivos, mas a sua memória perdurará pelo exemplo ímpar de combatividade, sem precedentes, que nos transmitiu e galvanizou. Com o seu nefasto desaparecimento, a Democracia portuguesa, o PSD – Partido Social Democrata e, sobretudo, o Sindicalismo de face Humanista ficaram mais pobres…

Obrigado por tudo, Companheiro!

Paz à sua alma!

Como palavra final, só espero que a UGT – União Geral de Trabalhadores lhe preste o reconhecimento e a Homenagem que, por direito próprio, lhe são devidos!

Paulo M. A. Martins
Fortaleza (CE), Brasi

quarta-feira, 14 de julho de 2010

* 19.Julho.2010 * 125º. Aniversário do Nascimento de ARISTIDES DE SOUSA MENDES * “O Maior Humanista do Século XX” * Património da Humanidade

125º. Aniversário do Nascimento de
ARISTIDES DE SOUSA MENDES
“O Maior Humanista do Século XX”
Património da Humanidade


* * *

“Tenho de salvar estas pessoas, tantas, quantas, eu puder.
Se estou a desobedecer a ordens,
prefiro estar com Deus e contra os homens,
do que com os homens e contra Deus.”

Aristides de Sousa Mendes



* * *


Paulo M. A. Martins
Jornalista


* * *


Se ainda estivesse no mundo dos vivos, entre nós, na próxima segunda-feira, 19 de Julho de 2010, Aristides de Sousa Mendes, ex-cônsul-geral de Portugal em Bordéus (França), comemoraria o seu 125º. Aniversário de Nascimento…
Mas, não está!

Com 69 anos de idade, Aristides de Sousa Mendes faleceu a 3 de Abril de 1954, doente, desonrado e na miséria. Para ser sepultado, tal não era o seu elevado grau de pobreza - paupérrimo, tiveram que lhe vestir a túnica de um frade franciscano, enquanto o ditador António de Oliveira Salazar, com o cinismo e a hipocrisia que lhe eram tão peculiares, além de mandar silenciar liminarmente a sua morte, fazia chegar às mãos do seu irmão gémeo, César de Sousa Mendes, também diplomata e que havia sido Ministro dos Negócios Estrangeiros do seu 1º. Governo, uma carta de condolências…
Entretanto, são já passados 56 anos…

Mas, se olharmos um pouco mais para trás, deparamo-nos com o maior Humanista do Século XX, hoje, Património da Humanidade e grande precursor dos Direitos Humanos, pois, mesmo desobedecendo, consciente e responsavelmente, às ordens do ditador Salazar, ousou salvar das garras das tropas nazis e do Holocausto mais de 30 mil seres humanos, dos quais cerca de 12 mil judeus.

Segundo Yehuda Bauer, perito e autor da História do Holocausto, Aristides de Sousa Mendes, “realizou a maior operação de salvamento de vidas humanas da História do Holocausto”!

Foi esse, só esse, o único “crime” que Aristides de Sousa Mendes havia cometido!


Preso pela História!


Em Bordéus (França), a História prendeu Aristides Sousa Mendes nas suas garras. O seu destino passou a estar indubitavelmente ligado ao destino, individual e colectivo, de dezenas de milhares de pessoas desaparecidas.

Assumiu-se como o homem certo, no lugar e no momento certo. Aquilo que muitos poderiam considerar como defeitos de personalidade num diplomata – a natureza demasiado emotiva e o seu carácter impulsivo - tornaram-se a força motora de um heroísmo sem precedentes.

Começou por desobedecer, frontal e decididamente, às ordens e directivas (célebre “Circular 14”, emanada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, cujo conteúdo conflituava objectivamente com a Constituição da República Portuguesa de 1933) do ditador António de Oliveira Salazar, então Presidente do Conselho de Ministros, acumulando com a pasta dos Negócios Estrangeiros, de quem, apesar de monárquico, sempre se afirmou seu defensor.

Sacrificou tudo quanto amava e prezava - uma família, uma carreira - por estranhos de quem se apiedou associando ao seu honroso desempenho a espiritualidade e a dignidade humana então raras, mas que, afinal, caracterizam o Povo Português.

Tudo isto e não só, numa altura, em que pairava a rebeldia pelo mundo, Aristides de Sousa Mendes não só era um digno diplomata como, também, se desenhava como o modelo do português crítico, o representante ideal da Nação que todos gostaríamos que Portugal sempre fosse.


Salvar mais de 30 mil seres humanos
em troca de doença, miséria e ostracismo…



Todavia, todas as honras lhe sejam prestadas, Aristides de Sousa Mendes, Cônsul-Geral de Portugal em Bordéus (França), é recordado por, com uma simples caneta e um carimbo, ter emitido, inclusive utilizando, na ausência de impressos, papel pardo de embrulho, vistos de entrada em Portugal a mais de 30 mil seres humanos, em Junho de 1940, sendo depois castigado por Salazar, que o afastou da carreira diplomática e o impediu de exercer, como meio de sobrevivência e de subsistência, a advocacia, lançando-o, inexoravelmente, na miséria e ao ostracismo, arrastando consigo a sua numerosa família…

Perante o avanço, incontrolável, do nazismo, o cônsul português em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, deparou-se perante um dilema tão comum nessa época:

- Se, por um lado, era impossível esquecer a multidão de refugiados perseguidos por Hitler e as suas tropas, aos quais ele próprio – sabia-o bem – poderia abrir as portas da salvação e da liberdade;

- Pelo outro, era claro que ao abrir essas portas, ele próprio, estaria a condenar-se a si mesmo, por actuar de forma oposta à política externa do seu Governo.

A decisão de Aristides de Sousa Mendes de desrespeitar as ordens de Salazar revela-se como uma dupla arma:

- Com esse acto ele impõe uma derrota ao regime nazi e, simultaneamente, condena implicitamente a atitude de Portugal.


A legalidade nem sempre é a melhor aliada quando estão em causa os Direitos dos Homens, como foi o caso, e o diplomata, católico convicto, não hesitou em salvar seres humanos, inclusive os de outra religião...

“Tenho de salvar estas pessoas, tantas, quantas, eu puder. Se estou a desobedecer a ordens, prefiro estar com Deus e contra os homens, do que com os homens e contra Deus”, justificava.

A actuação de Aristides de Sousa Mendes, como Cônsul-Geral de Portugal em Bordéus, não é apenas um acto heróico, mas, acima de tudo, um acto de grande lucidez e estatura moral e humana: ele sabia estar a condenar-se a si mesmo e que esse era o preço a pagar pela opção em favor dos mais fracos de todos.


Mentiras e falsidades
que a ditadura e o fascismo forjaram…



Como resultado da sua desobediência às ordens do ditador Salazar, Aristides Sousa Mendes tinha caído em desgraça. Às acusações de ter passado vistos a pessoas que “pela sua nacionalidade” a eles não tinham direito, defendeu-se com a impossibilidade de estabelecer diferenças entre seres humanos e argumentou que, apenas, obedecera a razões de humanidade, que “não distinguem nem raças nem nacionalidades”.

Inexoravelmente, sem apelo nem agravo, acabaria por ser exonerado do cargo e, impossibilitado de trabalhar, ficando na miséria, motivo pelo qual, com a sua numerosa família, se viu obrigado a recorrer à cozinha económica da ‘Comassis’, da Comunidade Judaica de Lisboa.

Até 1954, o facto de ter “desobedecido” ao Estado Português tinha sido considerado mais importante do que a salvação de muitos dos perseguidos pelo nazismo…

Curiosamente, importa sublinhar, Portugal ficou na memória dos refugiados como um porto de abrigo, onde não se sentiram perseguidos por serem judeus e através do qual se salvaram, com a ajuda de uma população que consideraram hospitaleira e muito sensível aos seus dramas.

Atentos os factos, é pertinente sublinhar que, entre 1940 e 1954, Aristides de Sousa Mendes entra num processo de “decadência” humana, perdendo, mesmo, a titularidade do seu gesto salvador. Pois, na realidade, o ditador António de Oliveira Salazar e o seu regime, cínica e hipocritamente, também acabariam por se apropriar desse acto…

Através da propaganda do Estado Novo, os jornais do regime louvam Salazar. Portugal sempre foi um país cristão”, é o título de um Editorial do “Diário de Notícias”, do mês de Agosto de 1940, em que Salazar é louvado por ter salvado refugiados e fugitivos no Sul de França…

Por incrível que possa parecer, até o embaixador Pedro Teotónio Pereira, refere, nas suas “Memórias”, a acção de Aristides de Sousa Mendes como sendo de sua exclusiva iniciativa!...

O agradecimento é, por vezes, extensivo aos governantes, nomeadamente a Salazar, o mesmo ditador que castigou severamente Aristides de Sousa Mendes, por desobediência a ordens que a terem sido cumpridas, teriam impedido a salvação de milhares de refugiados.

Segundo Rui Afonso, biógrafo de Aristides de Sousa Mendes, o antigo cônsul em Bordéus assistiu à “suprema injustiça de se ver castigado ao mesmo tempo que Salazar e o regime político eram louvados”…
Conivência e discrição…

Por outro lado, importa não perder de vista que a actuação de Aristides de Sousa Mendes jamais viria a ser resgatada (o que só se verificaria após a ‘Revolução dos Cravos’, ocorrida em 25 de Abril de 1974), para desta forma, por contraste, não evidenciar a acção, a conivência, a negligência e a omissão de outros diplomatas e membros do governo do ditador António de Oliveira Salazar, que, durante a Segunda Guerra Mundial, se tornaram participantes, cúmplices e coniventes, embora de forma discreta e indirecta, da grande tragédia do Holocausto.


A Lista de Schindler…


Facto curioso, é também a importância atribuída a Oskar Schindler, (nasceu em 28 de Abril de 1908, em Zwittau, na Morávia, e faleceu a 9 de Outubro de 1974, em Hildesheim), que surgiu em 1944, quatro anos depois de Aristides de Sousa Mendes, cuja imagem e feitos foram amplamente divulgados, a nível mundial, pelo realizador norte-americano Steven Spielberg, através do filme "A Lista de Schindler", apontado entre os dez melhores filmes da história de Hollywood e vencedor do Óscar de 1994.

Em boa verdade, Oskar Schindler não passava de um “bon vivant”, um homem sem princípios nem escrúpulos, orientado por uma única ideia e ambição desmesurada: enriquecer.

Após a anexação dos Sudetos, em 1938, tornou-se membro do Partido Nazista e, como libertino e salvador, com a conivência dos soldados nazis, começa a interessar-se pelos judeus, única e exclusivamente, como mão-de-obra barata que utilizava na sua fábrica. Segundo consta, o número de vidas “salvas” não deverá ter ultrapassado 1 200 judeus, de entre homens, mulheres e crianças...

Durante a II Guerra Mundial tornou-se próspero, mas gastou o seu dinheiro com a ajuda prestada aos judeus que salvou e com empreendimentos que não deram certo após o término da guerra.

Referindo-se a Aristides de Sousa Mendes, Yehuda Bauer questionaria:

“Que dizer deste HOMEM, que, sozinho, contra tudo e contra todos, realizou a maior operação de salvamento da História do Holocausto?
Responda quem quizer. E souber.
Pessoalmente, confino-me ao mais respeitoso silêncio!...”



Filhos de Aristides de Sousa Mendes alistam-se
na Força Expedicionária Aliada
e participam no “Dia D”



Quando Aristides de Sousa Mendes e sua esposa Angelina estiveram em São Francisco, na Califórnia, Estados Unidos da América do Norte, ocorreu o nascimento de mais dois filhos, ambos do sexo masculino: Carlos Francisco Fernando e Sebastião Miguel Duarte, nascidos, respectivamente, em 1922 e 1923, que receberam a dupla nacionalidade, luso-americanos, como, aliás, a maioria dos seus filhos.

Anos mais tarde, com o deflagrar da II Guerra Mundial, os dois jovens pensaram que, possuindo a nacionalidade norte-americana, também podiam lutar contra os nazis, seus apoiantes e forças aliadas, e, de certa forma, vingar o pai…

Já em plena II Guerra Mundial, os dois filhos luso-americanos de Aristides de Sousa Mendes, alistam-se voluntariamente na Força Expedicionária Aliada e no “DIA D” desembarcam e participam na Batalha da Normandia. Posteriormente, foram enviados para locais diferentes perto da fronteira com a Alemanha.

Com a participação nesta acção, Carlos Francisco Fernando e Sebastião Miguel Duarte, filhos de Aristides de Sousa Mendes, deram sequência ao “combate” iniciado pelo pai, e, como luso-americanos, não só arriscaram a vida como, também, fizeram questão de “furar e desacreditar” a pseudo neutralidade de Salazar…


Reflectir e meditar: Um imperativo!


Embora muito mais se pudesse expender sobre a acção de Aristides de Sousa Mendes, o Embaixador de Portugal em França, Dr. Francisco Seixas da Costa, no seu Prefácio, sob o título A Diplomacia e a Ética Pública”, do Livro:

“De Aristides de Sousa Mendes a Austregésilo de Athayde
Patrimónios da Humanidade
Dois Percursos, Um só Objectivo
- Direitos Humanos –“
,

da autoria do jornalista Paulo M. A. Martins, que a seguir se transcreve, proporciona-nos uma visão transparente, objectiva, lúcida e eloquente sobre a atitude e o comportamento assumidos por Aristides de Sousa Mendes, e nos convida a uma reflexão e meditação tão séria quanto profunda – Um Imperativo!

………………………………………


“Aristides de Sousa Mendes sofreu o choque emocional de uma situação de tragédia e, num instante que imaginamos deva ter sido de grande angústia, decidiu colocar-se do lado do que entendeu ser uma leitura ética, a qual, em face da sua formação humanista, assumia uma preeminência perante a fria lógica subjacente às ordens que recebia.

Para um diplomata, como para um qualquer outro profissional cuja acção se cruze com dimensões humanas e morais de grande importância, este tempo de tensão e de risco é, do mesmo modo, o momento da verdade. A verdade perante si próprio, perante aquilo em que se acredita, na luta interior resultante do conflito entre a ordem e a ética.

O caso de Aristides de Sousa Mendes é uma história notável que acarreta importantes lições de ética deontológica, a qual nos coloca perante a necessidade de ver o mundo através do prisma dos princípios, subalternizando pontualmente a mera obediência burocrática, que é o refúgio triste onde muitos atenuam a cobardia de uma decisão que pressentem errada.

O verdadeiro serviço público, de que Sousa Mendes era uma simples peça, deve ser, em si mesmo, portador de uma ética de comportamento que tem de estar acima da sua utilização oportunista pelos titulares episódicos do aparelho político. As ordens ilegítimas não merecem obediência, devem merecer resistência e oposição. Os grandes servidores públicos medem-se pelo modo como sabem interpretar o sentido do dever e do interesse colectivo, não devendo ser premiados pela acéfala aceitação de toda e qualquer instrução que recebem, por mais elaborada ou elevada que ela surja.

Na história da diplomacia portuguesa, Aristides de Sousa Mendes é um caso ímpar. Porém, tenho a sensação de que o Ministério dos Negócios Estrangeiros português poderá não ter ainda interiorizado o quanto o seu exemplo lhe pode vir a servir como valor referencial, como atitude a ponderar e a estudar, ao serviço de uma diplomacia de princípios que, de acordo com os grandes momentos da nossa História, sempre deve orientar a acção externa de um país como Portugal.”



………………………………………


Das acções laudatórias
às tentativas de descredibilização sucessivas …



O seu gesto humanista, que lhe valeu um abrupto final da carreira diplomática, com todas as suas consequências nefastas, só foi relatado e enaltecido depois de ‘25 de Abril de 1974’, principalmente pela imprensa, tendo sido reabilitado, a título póstumo, em 1988, pela Assembleia da República, sob proposta de vários deputados, de entre os quais, os Drs. Jaime Gama e Jorge Sampaio. Portanto, catorze anos depois da instauração do regime democrático em Portugal…

Contudo, Israel já havia homenageado Aristides de Sousa Mendes, “Um Justo entre as Nações”, plantando, em sua memória, na Floresta dos Mártires, junto ao Yad Vashem - o Museu do Holocausto -, um bosque com 30 mil árvores, simbolizando uma árvore por cada uma das vidas judaicas que salvou.

Assim como, a título póstumo, lhe foi atribuída uma medalha, em cujo reverso pode ler-se a citação do Talmude:

“Quem salva uma vida humana,
é como se salvasse um mundo inteiro”
.

Depois disso, muitas outras homenagens lhe foram prestadas, a título póstumo, em Portugal e no estrangeiro. Sem esquecer, apesar de não referidas, o valor e o significado de muitas outras. De realçar as condecorações portuguesas que lhe foram atribuídas: Ordem da Liberdade, Cruz de Mérito e a Grã Cruz da Ordem de Cristo.

Todavia, também, não são estranhas algumas intervenções que, não sendo novas e, muito menos, originais, se inserem em acções concertadas ou não, que visam denegrir e descredibilizar a sua memória, as quais, de tempos em tempos, vão surgindo na Comunicação Social portuguesa, nomeadamente, as expendidas pelo Professor José Hermano Saraiva nas suas “Memórias”, onde expressa uma admiração desmedida pelo ditador Salazar, assim como as do Embaixador João Hall Themido, na sua denominada “Uma Autobiografia Disfarçada”, editada e, segundo tem sido referido publicamente, custeada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, com verbas do erário público…

Quer uma quer a outra, assim como as demais, em matéria de honestidade cultural e credibilidade histórica, valem pelo que valem. Nada mais!


Para quando, os restos mortais
do Embaixador Aristides de Sousa Mendes
no Panteão Nacional, em Lisboa?…



>“…aqueles, que por obras valerosas
se vão da lei da morte libertando”…
Luís de Camões


Quanto a Portugal, falta, entre outros, assumir como acto de verdadeira Justiça a realização da Homenagem Nacional que lhe é devida por direito próprio.

Trata-se de uma atitude patriótica, que cabe aos poderes constitucionalmente constituídos chamar a si as iniciativas que se tornem imperativas em ordem à trasladação dos restos mortais do Embaixador Aristides de Sousa Mendes >(promovido a título póstumo pela Assembleia da República) para o Panteão Nacional, em Lisboa, onde repousam ‘Os Grandes Heróis Portugueses’, como o poeta épico Luís de Camões os cantou em “Os Lusíadas”, como sendo “…aqueles, que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”…

Tal desígnio, infelizmente, parece estar cada vez mais distante, mais arredado, face à indiferença, ao esquecimento ou ainda ao desprezo evidenciado, ao longo dos tempos, por alguns desses mesmos poderes a quem, atentos os valores Humanistas que determinaram a imortalidade de Aristides de Sousa Mendes, pertence tão nobre quanto justa e patriótica decisão.

Para quando?...


CASA DO PASSAL
Um Monumento Nacional
à espera da derrocada final?…



Entretanto, a histórica Casa do Passal’, em Cabanas de Viriato, Viseu (Beira Alta), que foi propriedade de Aristides de Sousa Mendes, onde Angelina de Sousa Mendes, sua esposa, acolheu e matou a fome” a muitos dos fugitivos, no ano de 2005, foi classificada como Monumento Nacional. Nela, se pretende a criação de um Museu, assim como de um Cento de Memória e de Estudo da Tolerância, do Altruísmo e dos Direitos Humanos.

Situada numa encosta, com uma vista deslumbrante e soalheira, a nascente, sobre a Serra da Estrela, a ‘Casa do Passal’ encontra-se em avançado estado de ruína e de degradação, pairando, mesmo, a dúvida se conseguirá resistir a mais um rigoroso Inverno beirão…

Apesar de um esforço estóico de ‘voluntariado, para reparar o telhado da ‘Casa do Passal’, em 2004/5, a instabilidade voltou a pairar de novo, em 2008, aumentando de ano para ano, de mês para mês, até à sua derrocada final, perante a insensibilidade, a passividade, a irresponsabilidade e a incompetência dos Poderes Públicos instalados, que a classificaram e declararam de Monumento Nacional”, em 2005…

Notável, notabilíssima, de registar a adesão de quase 13 mil admiradores, sobretudo, de muita juventude, que se mobilizaram em torno da Memória de Aristides e Angelina de Sousa Mendes.

Se, de facto, esta enorme manifestação de boa vontade se puder transformar em recursos materiais, poder-se-á concluir que esta mobilização pode servir, também, para ajudar a desbloquear este projecto notável, complexo e de destaque internacional.

Na realidade, o avançado e imparável estado de ruína da ‘Casa do Passal’ ou ‘Casa de Sousa Mendes’, convida-nos a uma meditação e reflexão profundas, sobre o ‘Acto de Consciência’ em que o Cônsul de Portugal em Bordéus (França), Aristides de Sousa Mendes, salvou, em Junho 1940, nas vésperas da capitulação, cerca de 30 mil refugiados, oriundos de vários países da Europa invadidos pelas tropas nazis, desesperados em abandonar a França e seguir outros destinos providenciais, tais como Portugal e as Américas.

Habilita-nos, também, a sentir e a avaliar as terríveis consequências de um ‘acto de altruísmo heróico’, como o assumido por Aristides de Sousa Mendes, que acabou, também, por transformar o diplomata em refugiado e castigado, pois morreu desonrado e na miséria total. Inclusive, foi abandonado e votado ao esquecimento absoluto durante décadas...

Infelizmente, é este o quadro real e autêntico que se nos depara, quando se pretende comemorar condignamente o 125º. Aniversário de Nascimento de Aristides de Sousa Mendes…

Portugal, um país sem memória?…

Até quando?...



* * * * *


____________________________________________
Brasil, Fortaleza (CE), 13 de Julho de 2010

Paulo M. A. Martins
Jornalista,
radicado no Brasil, em Fortaleza (CE).

segunda-feira, 12 de julho de 2010

JOSÉ SARAMAGO: “Tu estavas mas agora já não estás. Isso é a morte” … * RECONCILIAÇÃO *

Paulo M. A. Martins
Jornalista
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paulo.m.a.martins@gmail.com
http://www.paulomamartins.blogspot.com



José Saramago morreu, ou melhor, segundo o seu conceito de morte, “tu estavas mas agora já não estás. Isso é a morte”. Mas deixou a continuação de si na Obra genial que vai manter para sempre, na Humanidade, a sua memória.

Imediatamente, após a morte de José Saramago, para grande surpresa minha, um bom amigo, de Trás-os-Montes, em Portugal, que, desde há já três anos, sempre insiste em me tratar por “Compadre Reitor”, dada a grande admiração e confiança que sempre revelou ter por mim, pelos meus trabalhos de análise de natureza jornalística, particularmente sobre a actualidade política portuguesa, fez-me chegar às mãos um texto onde, com muita diplomacia e elegância, manifestava-me a sua frontal discordância, sobre um texto que eu havia publicado e alguns comentários produzidos, reveladores de uma certa acutilância e alguma agressividade…

Trata-se de um jovem, na flor da vida, que vive com os pais e uma irmã, a quem a brutalidade de um acidente o colocou na situação, nada confortável e muito menos animadora, de ‘paraplégico’, embora revelando muita cultura, vivência da vida possível, dadas as sua limitações, com uma sensibilidade invulgar, humilde, ciente dos seus direitos de cidadania e, sobretudo, com muita vontade de viver a vida, a quem eu, também, sempre que disponível, procuro corresponder através algumas conversas, via ‘internet’.

Inclusive, dadas algumas afinidades reveladas na nossa interacção, mas nem sempre unanimidades de pontos de vista, como o caso, tenho-lhe facultado, também, em muitas ocasiões, ainda em primeira leitura, alguns dos meus trabalhos antes de editar.

O seu texto e subsequentes comentários, pelo respeito e admiração que me merece, de certa forma, me deixou algo apreensivo e, sobretudo, preocupado por, eventualmente, ter revelado alguma injustiça nas avaliações sobre José Saramago, então produzidas.

Agora, da Região Autónoma dos Açores, de uma boa amiga açoriana, que muito admiro e estimo, chega-me um excelente vídeo sobre José Saramago, onde são apresentadas algumas das passagens mais expressivas da sua vida, que, de certa forma, me conseguiram sensibilizar. E de tal ordem, que procedi a dois visionamentos consecutivos.

Sinceramente, devo confessar que, por variadas razões, nunca fui grande admirador do nosso Nobel da Literatura e, apesar de laureado, muito menos, dos seus livros…

Por incrível que possa parecer, através do visionamento do vídeo, sem dar por mim, deparei-me a observar-me a um “espelho”…

Digamos que, ao espelho da vida…

Também, em algumas das facetas apresentadas, me surpreendi com as imagens que visionava, cujas legendas ia lendo com redobrada atenção…

Hoje, foi o dia de eu enfrentar a verdade!

Confrontado com o que tinha observado e lido no vídeo, tendo ainda na memória as palavras proferidas pelo meu amigo, acabei por reequacionar o meu pensamento sobre José Saramago, tentando separar o trigo do joio. Ou melhor, dito de outra forma, separando as águas…

Em abono da verdade, o que sempre me opôs em relação a José Saramago, deve-se, sobretudo, ao facto de ele ter defendido, à escala universal, a integração de Portugal na Espanha, ou seja, a anexação de Portugal à Espanha. Em minha opinião, um absurdo total, revelador de falta sentido e de amor à Pátria, o que me levou, também, a escrever e a publicar um artigo muito contundente e arrasador, reprovando a sua atitude.

Hoje, à distância no tempo, agora, reflectindo com mais ponderação e objectividade, questiono-me:

- Assistir-me-ia o direito de eu reagir de forma tão acutilante e revestido de uma certa agressividade para com José Saramago?

Objectivamente, algo deve ter concorrido, para que José Saramago assumisse essa atitude…


Rebuscando no “sótão” das minhas “recordações”, constato que, em 1991, José Saramago publicou o Livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, onde reescreve o livro sagrado sob a óptica de um Cristo que não é Deus e se revolta contra o seu destino e onde, a fundo, questiona o lugar de Deus, do cristianismo, do sofrimento e da morte.

No ano seguinte, em 1992, quando da disputa do Prémio Literário Europeu, o sub-secretário de Estado da Cultura, Sousa Lara, com o apoio do então Primeiro-Ministro, Aníbal Cavaco Silva, vetou a inscrição do livro por considerar que “atentava contra a moral cristã”, ou seja, “ofensivo para o catolicismo do Povo Português”.

Se até aí, o seu relacionamento com Portugal, por razões estritamente ideológicas, já estava degradado, com este acto, que, pessoalmente, considero mais do que provocatório, censório, do Governo Português, José Saramago torna-se uma “fera” ferida no mais profundo do seu âmago, como homem e como escritor. E, como tal, reage!

Face a tal veto, que considera censório e discriminatório, para quem sempre se assumiu como ‘ateu’, José Saramago mudou-se de Portugal, passando a fixar residência em Espanha, na ilha de Lanzarote, nas Ilhas Canárias, um país que, ao longo da sua História, sempre se evidenciou pelo seu sentido de catolicismo.

É no seu escritório em Lanzarote que José Saramago escreve um dos seus romances mais conhecidos, o “Ensaio sobre a Cegueira” e outros se lhe antecederam e sucederam…

Posto isto, de novo, volto a questionar-me:

- Será que a José Saramago, um cidadão livre, não lhe assiste o direito de livremente exprimir o seu pensamento?

- A José Saramago, como cidadão português, não lhe assistirá o direito de opção ideológica e religiosa, e, como tal, se manifestar, inclusive assumir-se como ‘ateu’, da mesma forma como eu, que sou cristão e me considero um católico convicto?

- Ou será que já estamos a caminhar a passos largos para uma nova Inquisição?

Conclusão

Hoje, quando são decorridas quase duas décadas, o que nos é dado constatar?

• Em 1995, três anos depois, José Saramago, que havia sido vetado para o Prémio Literário Europeu, ganhou o mais importante prémio literário da língua portuguesa: o Prémio Camões.

• Em 1998, seis anos depois, foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, o primeiro concedido a um escritor de Língua Portuguesa.

• Depois da “reconciliação” entre o escritor José Saramago e o Estado português, através do então Primeiro-Ministro, Durão Barrosa, o ex-sub-secretário de Estado da Cultura, Sousa Lara, persiste que não está arrependido da decisão que tomou há 18 anos…

• Hoje, mesmo após a sua morte, é considerado o responsável pelo efectivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa.

• No entanto, uma diferença abismal sempre subsistirá entre Sousa Lara e José Saramago:

Sousa Lara, quando morrer, “estava mas agora já não está”, para nunca mais; José Saramago morreu e continuará até ao fim dos séculos na sua genial Obra, incluindo o seu “Evangelho”, porque se tornou num “Imortal”.

Como cristão e católico, por educação e formação, sempre me foi ensinado e dito, que para julgar só Deus. E, como tal, sempre tenho pautado as minhas atitudes comportamentais e não só!

Que errar é próprio do homem. Só não erra quem nada faz, o que já de si, também constitui um erro….

Que quem sabe reconhecer os seus próprios erros só revela inteligência e dignidade.

De onde se pode concluir, que Deus sempre escreve direito por linhas tortas!

* * *

No entanto, para que se possa entender, claramente, José Saramago, quanto ao seu conceito de ‘escrita’, importa sempre ter presente, sobretudo, quando nos diz, sem rodeios e com toda a frontalidade e objectividade, que:

Escrever é traduzir. Mesmo quando estivermos a utilizar a nossa própria língua. Transportamos o que vemos e o que sentimos para um código convencional de signos, a escrita e deixamos às circunstâncias e aos acasos da comunicação a responsabilidade de fazer chegar à inteligência do leitor, não tanto a integridade da experiência que nos propusemos transmitir, mas uma sombra, ao menos, do que no fundo do nosso espírito sabemos bem ser intraduzível, por exemplo, a pura emoção de um encontro, o deslumbramento de uma descoberta, esse instante fugaz de silêncio anterior à palavra que vai ficar na memória como o rasto de um sonho que o tempo não apagará por completo.”

* * *

José Saramago faleceu no dia 18 de Junho de 2010, aos 87 anos de idade, na sua casa em Lanzarote onde residia com a esposa, de segundas núpcias, Pilar del Rio, vítima de leucemia crónica. O escritor estava doente havia algum tempo e o seu estado de saúde agravara-se na sua última semana de vida.

O seu funeral teve Honras de Estado, tendo o seu corpo sido cremado no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa.

Com a sua morte, ficaram debeladas as controvérsias a que nunca se furtou e que, interventivamente, procurava.

Esta, a marca que ficará na mente e no coração do Povo Português será o legado que José Saramago deixará e isso compete à História decidir.

* * *

Para finalizar, aqui deixo o meu mais profundo Bem Haja!, aos Meus Bons Amigos, Dra. Gabriela F. Silva, da Região Autónoma dos Açores, e ao Paulo Jorge da Eira Trigo, de Chaves (Vila Real).

Em boa verdade, directa e indirectamente, foram os grandes obreiros do “sensibilizar e despertar”, embora tardio, da minha consciência para a procura e reconhecimento da verdade, em relação a José Saramago, sem os quais não teria sido possível a realização deste trabalho, o que significa dizer que, na vida “tudo é relativo”, nem sempre há “verdades” definitivas...

Como sempre disse, digo e direi, a verdade apresenta-se-nos sob duas faces, uma a que nos é visível, sendo a outra, embora nem sempre coincidente e rigorosa nos seus contornos, a que nos é apresentada.

A todos nós, seres humanos e responsáveis, dotados de razão e consciência, na nossa interacção devemos agir em relação aos outros, sem distinção de qualquer espécie (seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição), com espírito de fraternidade, pelo que, a cada momento, nos cabe, sempre, saber fazer a separação do trigo do joio. Ou, melhor dizendo, a separação das águas…



“No dia em que eu calar a voz da minha consciência,
terei perdido toda a minha liberdade e dignidade!

Paulo M. A. Martins”

* * *

Brasil, Fortaleza (CE), 10 a 12 de Julho de 2010.
Paulo M. A. Martins
Jornalista
Radicado no Brasil, em Fortaleza (CE).

quinta-feira, 8 de julho de 2010

* NOVAS LEIS DA RÁDIO E DA TELEVISÃO: UM ABSURDO!

Ontem, quarta-feira, dia 7 de Junho, a Assembleia da República avaliou e discutiu na generalidade, duas propostas de Lei e dois projectos de Lei da maior importância para o futuro da Comunicação Social portuguesa.

Em causa, estão duas propostas do Governo, sendo uma a que visa aprovar uma nova Lei da Rádio e, a outra, a que revê a Lei da Televisão. Assim como, um projecto do BE - Bloco de Esquerda no sentido de proceder à alteração da Lei sobre os Estatutos da RTP e outro do PCP - Partido Comunista Português para a revisão do Estatuto do Jornalista.

Na passada legislatura, com o veto do Presidente da República, havia sido gorada a chamada Lei da Não Concentração de Meios, a qual definia regras sobre a transparência da propriedade e estabelecia alguns limites, embora insuficientes, quanto à Concentração de Meios.

De novo, o Governo veio, agora, pretender contornar o "problema", regulando essas matérias nas propostas de Lei da Rádio e da Televisão que fez subir ao Parlamento.

O recurso agora usado, para não dizer a “estratégia”, traduz, supostamente, o propósito de alargar as normas sobre transparência da propriedade dos órgãos de informação e sobre a não Concentração de Meios. No entanto, tais objectivos, definitivamente, não são alcançados com estas propostas.

Pelo contrário. Se vierem a ser aprovadas, o Governo cede completamente aos interesses instalados que ambicionam um quadro em que seja possível ainda uma maior concentração dos meios.

De facto, só no que diz respeito à Lei da Rádio, a proposta apresentada passa o actual limite de cinco rádios que podem ser detidas pela mesma entidade para nada menos de 34 rádios de âmbito local, a que acresce um número ainda indeterminado de rádios regionais mas que pode chegar à dezena.

Poderá argumentar-se, para atenuar o efeito da concentração, que a proposta contém a garantia de que as rádios pertencentes à mesma entidade não podem operar em áreas contíguas, mas essa garantia, para além de muito fraca, é inconsistente, pois, como é do domínio público, inúmeras são as emissões locais sintonizadas, escutadas, a longas distâncias, chegando a ultrapassar vários municípios.

Só a título de exemplo, a Rádio Voz de Almada, em Almada, na Região da Grande Lisboa, é sintonizada, com boa qualidade, ao longo da costa algarvia…

O enorme poder de intervenção no espaço público que fica aberto aos Grupos de Media não se circunscreve apenas à titularidade das empresas de rádio, uma vez que as permitidas emissões em cadeia e a colaboração entre rádios adensam, sobremaneira, a possibilidade de controlo de um número ainda mais vasto de estações emissoras.

Neste contexto, são, desta forma, potenciados os riscos de redução da diversidade e do pluralismo, transformando-se as rádios em meros repetidores de emissões uniformizadas e centralizadas num posto único de produção de conteúdos – informativos e outros – e de comando da sua difusão, divorciadas das realidades locais, que é suposto servirem.

Com a adopção deste quadro, ficam criadas, também, as condições objectivas para aumentar o desemprego dos jornalistas e de outros trabalhadores, o que compromete o objectivo de profissionalização que o Governo diz pretender: com conteúdos produzidos numa central e distribuídos "a granel", será maior a tendência para reduzir os quadros privativos das Estações de Rádio.

Mas o desiderato manifestado de fomentar a profissionalização no sector sai totalmente gorado quando, a par da redução de postos de trabalho que a maior concentração se propõe gerar, introduz a possibilidade objectiva de substituir jornalistas profissionais por meros colaboradores em nada menos de metade do tempo diário de informação. O que já se verifica em muitas rádios locais…

Já quanto à Televisão, o Governo introduz limites muito generosos para a Concentração de Meios: 40% das licenças na mesma área de cobertura, sendo a proposta de lei omissa quanto à acumulação de licenças de televisão no resto do país e, também, quanto à acumulação com licenças de rádio.

Objectivamente, o Governo abre o caminho para uma ampla concentração de licenças de rádio e de televisão nas mãos de um reduzido número de detentores.

Por outro lado, o Governo tem repetido, e o ministro dos Assuntos Parlamentares deu garantias nesse sentido, que não pretende e não prevê a privatização da Rádio e Televisão de Portugal, mas, na sua proposta de lei, elimina a garantia de que o serviço público de radiodifusão seja assegurado pela Rádio e Televisão de Portugal, SA, empresa de capitais públicos, e deixa a Lei da Televisão omissa quanto à titularidade da concessionária.

Neste contexto, objectivamente, segundo o SJ – Sindicato dos Jornalistas, subsiste o entendimento claro de ser chegada a hora da clarificação de posições do poder político neste domínio: as Leis da Rádio e da Televisão devem estabelecer expressamente que os serviços públicos de rádio e de televisão sejam assegurados por empresas de capitais exclusivamente públicos, pois só assim ficam consagrados os fins para que os mesmos foram criados.

No que se refere ao projecto de alteração aos Estatutos da RTP, apresentado pelo BE - Bloco de Esquerda, circunscreve-se a duas únicas questões: uma sobre a forma de escolha do presidente do Conselho de Administração da Empresa, prevendo que seja eleito pela Assembleia da República por maioria de dois terços e, a outra, sobre o Programa Estratégico do presidente, prevendo que o mesmo seja aprovado pelo Parlamento.

Se, no que concerne à primeira questão, o projecto é positivo, traduzindo, aliás, uma antiga proposta do próprio Sindicato dos Jornalistas, já quanto à segunda é susceptível de suscitar algumas reservas, especialmente que seja a Assembleia da República a aprovar objectivos como sejam as audiências.

Já quanto ao projecto de alteração do Estatuto do Jornalista, apresentado pelo PCP - Partido Comunista Português, designadamente no que respeita a normas sobre os direitos de autor, competências e direitos dos membros dos conselhos de redacção e direitos e garantias dos jornalistas no exercício da profissão, incorpora, também, propostas e posições assumidas pelo Sindicato dos Jornalistas, as quais procuram corrigir as alterações aprovadas na legislatura anterior. No entanto, o Sindicato dos Jornalistas considera e reconhece, ainda, que o Estatuto do Jornalista carece também de alteração noutras matérias.

Conclusão

O Primeiro-Ministro, o Governo e o Partido Socialista, como se pode verificar através dos seus Diplomas que, hoje, vão estar em discussão na Assembleia da República, embora se apresentem “travestidos de inocentes cordeirinhos”, continuam a insistir e a persistir em, directa ou indirectamente, de uma forma agressiva e obstinada, exercer um controlo efectivo e rígido sobre os meios de Informação, com efeitos redutores e de coação sobre os seus profissionais.

Efectivamente, quando um Primeiro-Ministro, como José Sócrates, pensa uma coisa, depois diz outra para concluir de forma diferente, como nos tem habituado ao longo dos seus mandatos, já tudo é de esperar quanto à sua “boa fé”.

Nomeadamente, depois de termos assistido aos vergonhosos casos Mário Crespo, Manuela Moura Guedes e ainda o “Caso PT / TVI”, assim como à perseguição desmedida a alguns jornalistas, com a colaboração de encobrimento do Procurador-Geral da República, que, depois, acabaram por ver, como hoje, os processos arquivados…

Os Diplomas, agora, apresentados pelo Governo à Assembleia da República, constituem uma forma “hábil e inteligente” de contornar o veto presidencial da legislatura anterior, assim como de violar, objectivamente, a Constituição da República, ludibriar o Presidente da República e os restantes partidos políticos, assim como os Portugueses incrédulos, ultrapassando o próprio Estado de Direito Democrático...

A serem aprovados, pela Assembleia da República, na generalidade e, depois, na especialidade, os Diplomas que vão ser discutidos hoje, ainda nos resta a intervenção do Presidente da República que, de boa fé, poderá ser influenciado pela sua homologação final…

Estará o Primeiro-Ministro, José Sócrates, a querer, por caminhos paralelos, mas com os mesmos objectivos “imitar, mal e porcamente” os cenários da Venezuela e “os gloriosos feitos” de Hugo Chavez, no que concerne à Comunicação Social, particularmente às Televisões já encerradas?

Se não é, com os Diplomas que vão ser apreciados hoje, se aprovados, é para lá que caminhamos velozmente!

Boa sorte, Comunicação Social Portuguesa!

Boa sorte, Portugal!