quarta-feira, 21 de julho de 2010

ANTÓNIO ALBERTO CORREIA CABECINHA * Faleceu um “histórico” da social-democracia e do sindicalismo de Portugal

Faleceu um “histórico” da social-democracia e do sindicalismo de Portugal

ANTÓNIO ALBERTO CORREIA CABECINHA



Para grande estupefacção minha e consternação profunda, pela mão do Jorge da Paz Rodrigues e do José Manuel Torres Couto, recebi, aqui, em Fortaleza (CE), Brasil, a nefasta notícia da morte do meu amigo e companheiro de lutas e combates políticos e sindicais, António Cabecinha, de 63 anos, uma referência por excelência para mundo livre e humanista. A cidade de Portalegre, no Alentejo, foi o palco do último adeus a António Cabecinha, onde agora jazem os seus restos mortais para a eternidade dos tempos.

Para trás, na memória do tempo, ficou um percurso caracterizado por uma militância invulgar que se desdobrou em várias frentes de intenso combate político e sindical: o Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, a UGT – União Geral de Trabalhadores, da qual foi um dos seus fundadores, e a Assembleia da República, onde foi deputado eleito pelo PPD/PSD – Partido Social Democrata.

À distância, falar de António Cabecinha não é fácil, mas nunca poderei esquecer que, na década de 80, por sua sugestão, através do António Valente Bento, do Miguel Camolas Pacheco e do José Pereira Lopes, me chegou o convite, com o rótulo: um imperativo da TESIRESD – Tendência Sindical Reformista Social Democrata, para integrar o Conselho de Gerência dos SAMS – Serviços de Assistência Médico-Social do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas. Em pouco mais de duas escassas horas, fui requisitado ao Crédit Franco-Portugais, onde exercia funções de chefia, para tomar posse imediata e assumir funções, depois de na véspera ter dado a minha concordância.

Daí em diante, foi a sucessão continuada dos nossos encontros regulares, particularmente no Restaurante “Caçula”, na Rua das Pretas, em Lisboa, onde conversávamos sobre a nossa actividade sindical e político-partidária.

Pela minha frente, tinha a presença de um verdadeiro combatente, a que por vezes, em outros locais, se associava a presença e a intervenção de Carlos Macedo, então Secretário de Estado dos Assuntos Sociais.

Três anos depois, com a minha ida para o Município de Sesimbra, onde estive a desempenhar as funções de deputado municipal e de vereador da Câmara Municipal, foi a interrupção do nosso contacto permanente.

De vez em quando, tinha o privilégio da sua visita, normalmente, seguido de jantar que se prolongava até altas horas da noite, assim como chegamos a ter encontros de trabalho com o Dr. Francisco Sá Carneiro na sua própria residência.

Mais tarde, quando na Docapesca - Portos e Lotas, SA, e no Ministério do Mar, onde era assessor do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e das Pescas, António Cabecinha, nas suas deslocações a Lisboa, sempre me privilegiava com as suas visitas e encontros, seguidos de longas conversas, onde escutava atentamente o seu conselho amigo.

Em todo este tempo de interacção e convívio, não posso esquecer o desgosto que o invadiu profundamente: a extinção da TESIRESD e a criação dos Sócio-Profissionais do PSD. Foi no Congresso do PSD, em Braga, com o Professor Mota Pinto, onde estive, presencialmente, como delegado pela Concelhia de Sesimbra. Um “espectáculo” doloroso e para esquecer, mas que, por muito que não queiramos, nos vem sempre à memória…

António Cabecinha, já antes, no Congresso da TESIRESD, na Foz do Arelho, onde não estive, e, depois, no Congresso do PSD, em Braga, doloroso, de lágrimas a rolarem-lhe no rosto, mais parecia um pai que havia perdido o seu filho amado, enquanto os “traidores” se vangloriavam com a “vitória” alcançada…

Depois, paulatinamente, foi o “enterro definitivo” da actividade sindical social-democrata, enquanto alguns dos seus mentores se foram transferindo, de armas e bagagens, para o Partido Socialista, pois terem a oportunidade de serem “deputados” e usufruírem de outras “benesses político-partidárias” é outra história, cujos resultados são sobejamente conhecidos, sempre cumulados por sucessivas “traições”…

Hoje, António Cabecinha já não se encontra entre nós, no mundo dos vivos, mas a sua memória perdurará pelo exemplo ímpar de combatividade, sem precedentes, que nos transmitiu e galvanizou. Com o seu nefasto desaparecimento, a Democracia portuguesa, o PSD – Partido Social Democrata e, sobretudo, o Sindicalismo de face Humanista ficaram mais pobres…

Obrigado por tudo, Companheiro!

Paz à sua alma!

Como palavra final, só espero que a UGT – União Geral de Trabalhadores lhe preste o reconhecimento e a Homenagem que, por direito próprio, lhe são devidos!

Paulo M. A. Martins
Fortaleza (CE), Brasi

quarta-feira, 14 de julho de 2010

* 19.Julho.2010 * 125º. Aniversário do Nascimento de ARISTIDES DE SOUSA MENDES * “O Maior Humanista do Século XX” * Património da Humanidade

125º. Aniversário do Nascimento de
ARISTIDES DE SOUSA MENDES
“O Maior Humanista do Século XX”
Património da Humanidade


* * *

“Tenho de salvar estas pessoas, tantas, quantas, eu puder.
Se estou a desobedecer a ordens,
prefiro estar com Deus e contra os homens,
do que com os homens e contra Deus.”

Aristides de Sousa Mendes



* * *


Paulo M. A. Martins
Jornalista


* * *


Se ainda estivesse no mundo dos vivos, entre nós, na próxima segunda-feira, 19 de Julho de 2010, Aristides de Sousa Mendes, ex-cônsul-geral de Portugal em Bordéus (França), comemoraria o seu 125º. Aniversário de Nascimento…
Mas, não está!

Com 69 anos de idade, Aristides de Sousa Mendes faleceu a 3 de Abril de 1954, doente, desonrado e na miséria. Para ser sepultado, tal não era o seu elevado grau de pobreza - paupérrimo, tiveram que lhe vestir a túnica de um frade franciscano, enquanto o ditador António de Oliveira Salazar, com o cinismo e a hipocrisia que lhe eram tão peculiares, além de mandar silenciar liminarmente a sua morte, fazia chegar às mãos do seu irmão gémeo, César de Sousa Mendes, também diplomata e que havia sido Ministro dos Negócios Estrangeiros do seu 1º. Governo, uma carta de condolências…
Entretanto, são já passados 56 anos…

Mas, se olharmos um pouco mais para trás, deparamo-nos com o maior Humanista do Século XX, hoje, Património da Humanidade e grande precursor dos Direitos Humanos, pois, mesmo desobedecendo, consciente e responsavelmente, às ordens do ditador Salazar, ousou salvar das garras das tropas nazis e do Holocausto mais de 30 mil seres humanos, dos quais cerca de 12 mil judeus.

Segundo Yehuda Bauer, perito e autor da História do Holocausto, Aristides de Sousa Mendes, “realizou a maior operação de salvamento de vidas humanas da História do Holocausto”!

Foi esse, só esse, o único “crime” que Aristides de Sousa Mendes havia cometido!


Preso pela História!


Em Bordéus (França), a História prendeu Aristides Sousa Mendes nas suas garras. O seu destino passou a estar indubitavelmente ligado ao destino, individual e colectivo, de dezenas de milhares de pessoas desaparecidas.

Assumiu-se como o homem certo, no lugar e no momento certo. Aquilo que muitos poderiam considerar como defeitos de personalidade num diplomata – a natureza demasiado emotiva e o seu carácter impulsivo - tornaram-se a força motora de um heroísmo sem precedentes.

Começou por desobedecer, frontal e decididamente, às ordens e directivas (célebre “Circular 14”, emanada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, cujo conteúdo conflituava objectivamente com a Constituição da República Portuguesa de 1933) do ditador António de Oliveira Salazar, então Presidente do Conselho de Ministros, acumulando com a pasta dos Negócios Estrangeiros, de quem, apesar de monárquico, sempre se afirmou seu defensor.

Sacrificou tudo quanto amava e prezava - uma família, uma carreira - por estranhos de quem se apiedou associando ao seu honroso desempenho a espiritualidade e a dignidade humana então raras, mas que, afinal, caracterizam o Povo Português.

Tudo isto e não só, numa altura, em que pairava a rebeldia pelo mundo, Aristides de Sousa Mendes não só era um digno diplomata como, também, se desenhava como o modelo do português crítico, o representante ideal da Nação que todos gostaríamos que Portugal sempre fosse.


Salvar mais de 30 mil seres humanos
em troca de doença, miséria e ostracismo…



Todavia, todas as honras lhe sejam prestadas, Aristides de Sousa Mendes, Cônsul-Geral de Portugal em Bordéus (França), é recordado por, com uma simples caneta e um carimbo, ter emitido, inclusive utilizando, na ausência de impressos, papel pardo de embrulho, vistos de entrada em Portugal a mais de 30 mil seres humanos, em Junho de 1940, sendo depois castigado por Salazar, que o afastou da carreira diplomática e o impediu de exercer, como meio de sobrevivência e de subsistência, a advocacia, lançando-o, inexoravelmente, na miséria e ao ostracismo, arrastando consigo a sua numerosa família…

Perante o avanço, incontrolável, do nazismo, o cônsul português em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, deparou-se perante um dilema tão comum nessa época:

- Se, por um lado, era impossível esquecer a multidão de refugiados perseguidos por Hitler e as suas tropas, aos quais ele próprio – sabia-o bem – poderia abrir as portas da salvação e da liberdade;

- Pelo outro, era claro que ao abrir essas portas, ele próprio, estaria a condenar-se a si mesmo, por actuar de forma oposta à política externa do seu Governo.

A decisão de Aristides de Sousa Mendes de desrespeitar as ordens de Salazar revela-se como uma dupla arma:

- Com esse acto ele impõe uma derrota ao regime nazi e, simultaneamente, condena implicitamente a atitude de Portugal.


A legalidade nem sempre é a melhor aliada quando estão em causa os Direitos dos Homens, como foi o caso, e o diplomata, católico convicto, não hesitou em salvar seres humanos, inclusive os de outra religião...

“Tenho de salvar estas pessoas, tantas, quantas, eu puder. Se estou a desobedecer a ordens, prefiro estar com Deus e contra os homens, do que com os homens e contra Deus”, justificava.

A actuação de Aristides de Sousa Mendes, como Cônsul-Geral de Portugal em Bordéus, não é apenas um acto heróico, mas, acima de tudo, um acto de grande lucidez e estatura moral e humana: ele sabia estar a condenar-se a si mesmo e que esse era o preço a pagar pela opção em favor dos mais fracos de todos.


Mentiras e falsidades
que a ditadura e o fascismo forjaram…



Como resultado da sua desobediência às ordens do ditador Salazar, Aristides Sousa Mendes tinha caído em desgraça. Às acusações de ter passado vistos a pessoas que “pela sua nacionalidade” a eles não tinham direito, defendeu-se com a impossibilidade de estabelecer diferenças entre seres humanos e argumentou que, apenas, obedecera a razões de humanidade, que “não distinguem nem raças nem nacionalidades”.

Inexoravelmente, sem apelo nem agravo, acabaria por ser exonerado do cargo e, impossibilitado de trabalhar, ficando na miséria, motivo pelo qual, com a sua numerosa família, se viu obrigado a recorrer à cozinha económica da ‘Comassis’, da Comunidade Judaica de Lisboa.

Até 1954, o facto de ter “desobedecido” ao Estado Português tinha sido considerado mais importante do que a salvação de muitos dos perseguidos pelo nazismo…

Curiosamente, importa sublinhar, Portugal ficou na memória dos refugiados como um porto de abrigo, onde não se sentiram perseguidos por serem judeus e através do qual se salvaram, com a ajuda de uma população que consideraram hospitaleira e muito sensível aos seus dramas.

Atentos os factos, é pertinente sublinhar que, entre 1940 e 1954, Aristides de Sousa Mendes entra num processo de “decadência” humana, perdendo, mesmo, a titularidade do seu gesto salvador. Pois, na realidade, o ditador António de Oliveira Salazar e o seu regime, cínica e hipocritamente, também acabariam por se apropriar desse acto…

Através da propaganda do Estado Novo, os jornais do regime louvam Salazar. Portugal sempre foi um país cristão”, é o título de um Editorial do “Diário de Notícias”, do mês de Agosto de 1940, em que Salazar é louvado por ter salvado refugiados e fugitivos no Sul de França…

Por incrível que possa parecer, até o embaixador Pedro Teotónio Pereira, refere, nas suas “Memórias”, a acção de Aristides de Sousa Mendes como sendo de sua exclusiva iniciativa!...

O agradecimento é, por vezes, extensivo aos governantes, nomeadamente a Salazar, o mesmo ditador que castigou severamente Aristides de Sousa Mendes, por desobediência a ordens que a terem sido cumpridas, teriam impedido a salvação de milhares de refugiados.

Segundo Rui Afonso, biógrafo de Aristides de Sousa Mendes, o antigo cônsul em Bordéus assistiu à “suprema injustiça de se ver castigado ao mesmo tempo que Salazar e o regime político eram louvados”…
Conivência e discrição…

Por outro lado, importa não perder de vista que a actuação de Aristides de Sousa Mendes jamais viria a ser resgatada (o que só se verificaria após a ‘Revolução dos Cravos’, ocorrida em 25 de Abril de 1974), para desta forma, por contraste, não evidenciar a acção, a conivência, a negligência e a omissão de outros diplomatas e membros do governo do ditador António de Oliveira Salazar, que, durante a Segunda Guerra Mundial, se tornaram participantes, cúmplices e coniventes, embora de forma discreta e indirecta, da grande tragédia do Holocausto.


A Lista de Schindler…


Facto curioso, é também a importância atribuída a Oskar Schindler, (nasceu em 28 de Abril de 1908, em Zwittau, na Morávia, e faleceu a 9 de Outubro de 1974, em Hildesheim), que surgiu em 1944, quatro anos depois de Aristides de Sousa Mendes, cuja imagem e feitos foram amplamente divulgados, a nível mundial, pelo realizador norte-americano Steven Spielberg, através do filme "A Lista de Schindler", apontado entre os dez melhores filmes da história de Hollywood e vencedor do Óscar de 1994.

Em boa verdade, Oskar Schindler não passava de um “bon vivant”, um homem sem princípios nem escrúpulos, orientado por uma única ideia e ambição desmesurada: enriquecer.

Após a anexação dos Sudetos, em 1938, tornou-se membro do Partido Nazista e, como libertino e salvador, com a conivência dos soldados nazis, começa a interessar-se pelos judeus, única e exclusivamente, como mão-de-obra barata que utilizava na sua fábrica. Segundo consta, o número de vidas “salvas” não deverá ter ultrapassado 1 200 judeus, de entre homens, mulheres e crianças...

Durante a II Guerra Mundial tornou-se próspero, mas gastou o seu dinheiro com a ajuda prestada aos judeus que salvou e com empreendimentos que não deram certo após o término da guerra.

Referindo-se a Aristides de Sousa Mendes, Yehuda Bauer questionaria:

“Que dizer deste HOMEM, que, sozinho, contra tudo e contra todos, realizou a maior operação de salvamento da História do Holocausto?
Responda quem quizer. E souber.
Pessoalmente, confino-me ao mais respeitoso silêncio!...”



Filhos de Aristides de Sousa Mendes alistam-se
na Força Expedicionária Aliada
e participam no “Dia D”



Quando Aristides de Sousa Mendes e sua esposa Angelina estiveram em São Francisco, na Califórnia, Estados Unidos da América do Norte, ocorreu o nascimento de mais dois filhos, ambos do sexo masculino: Carlos Francisco Fernando e Sebastião Miguel Duarte, nascidos, respectivamente, em 1922 e 1923, que receberam a dupla nacionalidade, luso-americanos, como, aliás, a maioria dos seus filhos.

Anos mais tarde, com o deflagrar da II Guerra Mundial, os dois jovens pensaram que, possuindo a nacionalidade norte-americana, também podiam lutar contra os nazis, seus apoiantes e forças aliadas, e, de certa forma, vingar o pai…

Já em plena II Guerra Mundial, os dois filhos luso-americanos de Aristides de Sousa Mendes, alistam-se voluntariamente na Força Expedicionária Aliada e no “DIA D” desembarcam e participam na Batalha da Normandia. Posteriormente, foram enviados para locais diferentes perto da fronteira com a Alemanha.

Com a participação nesta acção, Carlos Francisco Fernando e Sebastião Miguel Duarte, filhos de Aristides de Sousa Mendes, deram sequência ao “combate” iniciado pelo pai, e, como luso-americanos, não só arriscaram a vida como, também, fizeram questão de “furar e desacreditar” a pseudo neutralidade de Salazar…


Reflectir e meditar: Um imperativo!


Embora muito mais se pudesse expender sobre a acção de Aristides de Sousa Mendes, o Embaixador de Portugal em França, Dr. Francisco Seixas da Costa, no seu Prefácio, sob o título A Diplomacia e a Ética Pública”, do Livro:

“De Aristides de Sousa Mendes a Austregésilo de Athayde
Patrimónios da Humanidade
Dois Percursos, Um só Objectivo
- Direitos Humanos –“
,

da autoria do jornalista Paulo M. A. Martins, que a seguir se transcreve, proporciona-nos uma visão transparente, objectiva, lúcida e eloquente sobre a atitude e o comportamento assumidos por Aristides de Sousa Mendes, e nos convida a uma reflexão e meditação tão séria quanto profunda – Um Imperativo!

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“Aristides de Sousa Mendes sofreu o choque emocional de uma situação de tragédia e, num instante que imaginamos deva ter sido de grande angústia, decidiu colocar-se do lado do que entendeu ser uma leitura ética, a qual, em face da sua formação humanista, assumia uma preeminência perante a fria lógica subjacente às ordens que recebia.

Para um diplomata, como para um qualquer outro profissional cuja acção se cruze com dimensões humanas e morais de grande importância, este tempo de tensão e de risco é, do mesmo modo, o momento da verdade. A verdade perante si próprio, perante aquilo em que se acredita, na luta interior resultante do conflito entre a ordem e a ética.

O caso de Aristides de Sousa Mendes é uma história notável que acarreta importantes lições de ética deontológica, a qual nos coloca perante a necessidade de ver o mundo através do prisma dos princípios, subalternizando pontualmente a mera obediência burocrática, que é o refúgio triste onde muitos atenuam a cobardia de uma decisão que pressentem errada.

O verdadeiro serviço público, de que Sousa Mendes era uma simples peça, deve ser, em si mesmo, portador de uma ética de comportamento que tem de estar acima da sua utilização oportunista pelos titulares episódicos do aparelho político. As ordens ilegítimas não merecem obediência, devem merecer resistência e oposição. Os grandes servidores públicos medem-se pelo modo como sabem interpretar o sentido do dever e do interesse colectivo, não devendo ser premiados pela acéfala aceitação de toda e qualquer instrução que recebem, por mais elaborada ou elevada que ela surja.

Na história da diplomacia portuguesa, Aristides de Sousa Mendes é um caso ímpar. Porém, tenho a sensação de que o Ministério dos Negócios Estrangeiros português poderá não ter ainda interiorizado o quanto o seu exemplo lhe pode vir a servir como valor referencial, como atitude a ponderar e a estudar, ao serviço de uma diplomacia de princípios que, de acordo com os grandes momentos da nossa História, sempre deve orientar a acção externa de um país como Portugal.”



………………………………………


Das acções laudatórias
às tentativas de descredibilização sucessivas …



O seu gesto humanista, que lhe valeu um abrupto final da carreira diplomática, com todas as suas consequências nefastas, só foi relatado e enaltecido depois de ‘25 de Abril de 1974’, principalmente pela imprensa, tendo sido reabilitado, a título póstumo, em 1988, pela Assembleia da República, sob proposta de vários deputados, de entre os quais, os Drs. Jaime Gama e Jorge Sampaio. Portanto, catorze anos depois da instauração do regime democrático em Portugal…

Contudo, Israel já havia homenageado Aristides de Sousa Mendes, “Um Justo entre as Nações”, plantando, em sua memória, na Floresta dos Mártires, junto ao Yad Vashem - o Museu do Holocausto -, um bosque com 30 mil árvores, simbolizando uma árvore por cada uma das vidas judaicas que salvou.

Assim como, a título póstumo, lhe foi atribuída uma medalha, em cujo reverso pode ler-se a citação do Talmude:

“Quem salva uma vida humana,
é como se salvasse um mundo inteiro”
.

Depois disso, muitas outras homenagens lhe foram prestadas, a título póstumo, em Portugal e no estrangeiro. Sem esquecer, apesar de não referidas, o valor e o significado de muitas outras. De realçar as condecorações portuguesas que lhe foram atribuídas: Ordem da Liberdade, Cruz de Mérito e a Grã Cruz da Ordem de Cristo.

Todavia, também, não são estranhas algumas intervenções que, não sendo novas e, muito menos, originais, se inserem em acções concertadas ou não, que visam denegrir e descredibilizar a sua memória, as quais, de tempos em tempos, vão surgindo na Comunicação Social portuguesa, nomeadamente, as expendidas pelo Professor José Hermano Saraiva nas suas “Memórias”, onde expressa uma admiração desmedida pelo ditador Salazar, assim como as do Embaixador João Hall Themido, na sua denominada “Uma Autobiografia Disfarçada”, editada e, segundo tem sido referido publicamente, custeada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, com verbas do erário público…

Quer uma quer a outra, assim como as demais, em matéria de honestidade cultural e credibilidade histórica, valem pelo que valem. Nada mais!


Para quando, os restos mortais
do Embaixador Aristides de Sousa Mendes
no Panteão Nacional, em Lisboa?…



>“…aqueles, que por obras valerosas
se vão da lei da morte libertando”…
Luís de Camões


Quanto a Portugal, falta, entre outros, assumir como acto de verdadeira Justiça a realização da Homenagem Nacional que lhe é devida por direito próprio.

Trata-se de uma atitude patriótica, que cabe aos poderes constitucionalmente constituídos chamar a si as iniciativas que se tornem imperativas em ordem à trasladação dos restos mortais do Embaixador Aristides de Sousa Mendes >(promovido a título póstumo pela Assembleia da República) para o Panteão Nacional, em Lisboa, onde repousam ‘Os Grandes Heróis Portugueses’, como o poeta épico Luís de Camões os cantou em “Os Lusíadas”, como sendo “…aqueles, que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”…

Tal desígnio, infelizmente, parece estar cada vez mais distante, mais arredado, face à indiferença, ao esquecimento ou ainda ao desprezo evidenciado, ao longo dos tempos, por alguns desses mesmos poderes a quem, atentos os valores Humanistas que determinaram a imortalidade de Aristides de Sousa Mendes, pertence tão nobre quanto justa e patriótica decisão.

Para quando?...


CASA DO PASSAL
Um Monumento Nacional
à espera da derrocada final?…



Entretanto, a histórica Casa do Passal’, em Cabanas de Viriato, Viseu (Beira Alta), que foi propriedade de Aristides de Sousa Mendes, onde Angelina de Sousa Mendes, sua esposa, acolheu e matou a fome” a muitos dos fugitivos, no ano de 2005, foi classificada como Monumento Nacional. Nela, se pretende a criação de um Museu, assim como de um Cento de Memória e de Estudo da Tolerância, do Altruísmo e dos Direitos Humanos.

Situada numa encosta, com uma vista deslumbrante e soalheira, a nascente, sobre a Serra da Estrela, a ‘Casa do Passal’ encontra-se em avançado estado de ruína e de degradação, pairando, mesmo, a dúvida se conseguirá resistir a mais um rigoroso Inverno beirão…

Apesar de um esforço estóico de ‘voluntariado, para reparar o telhado da ‘Casa do Passal’, em 2004/5, a instabilidade voltou a pairar de novo, em 2008, aumentando de ano para ano, de mês para mês, até à sua derrocada final, perante a insensibilidade, a passividade, a irresponsabilidade e a incompetência dos Poderes Públicos instalados, que a classificaram e declararam de Monumento Nacional”, em 2005…

Notável, notabilíssima, de registar a adesão de quase 13 mil admiradores, sobretudo, de muita juventude, que se mobilizaram em torno da Memória de Aristides e Angelina de Sousa Mendes.

Se, de facto, esta enorme manifestação de boa vontade se puder transformar em recursos materiais, poder-se-á concluir que esta mobilização pode servir, também, para ajudar a desbloquear este projecto notável, complexo e de destaque internacional.

Na realidade, o avançado e imparável estado de ruína da ‘Casa do Passal’ ou ‘Casa de Sousa Mendes’, convida-nos a uma meditação e reflexão profundas, sobre o ‘Acto de Consciência’ em que o Cônsul de Portugal em Bordéus (França), Aristides de Sousa Mendes, salvou, em Junho 1940, nas vésperas da capitulação, cerca de 30 mil refugiados, oriundos de vários países da Europa invadidos pelas tropas nazis, desesperados em abandonar a França e seguir outros destinos providenciais, tais como Portugal e as Américas.

Habilita-nos, também, a sentir e a avaliar as terríveis consequências de um ‘acto de altruísmo heróico’, como o assumido por Aristides de Sousa Mendes, que acabou, também, por transformar o diplomata em refugiado e castigado, pois morreu desonrado e na miséria total. Inclusive, foi abandonado e votado ao esquecimento absoluto durante décadas...

Infelizmente, é este o quadro real e autêntico que se nos depara, quando se pretende comemorar condignamente o 125º. Aniversário de Nascimento de Aristides de Sousa Mendes…

Portugal, um país sem memória?…

Até quando?...



* * * * *


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Brasil, Fortaleza (CE), 13 de Julho de 2010

Paulo M. A. Martins
Jornalista,
radicado no Brasil, em Fortaleza (CE).

segunda-feira, 12 de julho de 2010

JOSÉ SARAMAGO: “Tu estavas mas agora já não estás. Isso é a morte” … * RECONCILIAÇÃO *

Paulo M. A. Martins
Jornalista
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paulo.m.a.martins@gmail.com
http://www.paulomamartins.blogspot.com



José Saramago morreu, ou melhor, segundo o seu conceito de morte, “tu estavas mas agora já não estás. Isso é a morte”. Mas deixou a continuação de si na Obra genial que vai manter para sempre, na Humanidade, a sua memória.

Imediatamente, após a morte de José Saramago, para grande surpresa minha, um bom amigo, de Trás-os-Montes, em Portugal, que, desde há já três anos, sempre insiste em me tratar por “Compadre Reitor”, dada a grande admiração e confiança que sempre revelou ter por mim, pelos meus trabalhos de análise de natureza jornalística, particularmente sobre a actualidade política portuguesa, fez-me chegar às mãos um texto onde, com muita diplomacia e elegância, manifestava-me a sua frontal discordância, sobre um texto que eu havia publicado e alguns comentários produzidos, reveladores de uma certa acutilância e alguma agressividade…

Trata-se de um jovem, na flor da vida, que vive com os pais e uma irmã, a quem a brutalidade de um acidente o colocou na situação, nada confortável e muito menos animadora, de ‘paraplégico’, embora revelando muita cultura, vivência da vida possível, dadas as sua limitações, com uma sensibilidade invulgar, humilde, ciente dos seus direitos de cidadania e, sobretudo, com muita vontade de viver a vida, a quem eu, também, sempre que disponível, procuro corresponder através algumas conversas, via ‘internet’.

Inclusive, dadas algumas afinidades reveladas na nossa interacção, mas nem sempre unanimidades de pontos de vista, como o caso, tenho-lhe facultado, também, em muitas ocasiões, ainda em primeira leitura, alguns dos meus trabalhos antes de editar.

O seu texto e subsequentes comentários, pelo respeito e admiração que me merece, de certa forma, me deixou algo apreensivo e, sobretudo, preocupado por, eventualmente, ter revelado alguma injustiça nas avaliações sobre José Saramago, então produzidas.

Agora, da Região Autónoma dos Açores, de uma boa amiga açoriana, que muito admiro e estimo, chega-me um excelente vídeo sobre José Saramago, onde são apresentadas algumas das passagens mais expressivas da sua vida, que, de certa forma, me conseguiram sensibilizar. E de tal ordem, que procedi a dois visionamentos consecutivos.

Sinceramente, devo confessar que, por variadas razões, nunca fui grande admirador do nosso Nobel da Literatura e, apesar de laureado, muito menos, dos seus livros…

Por incrível que possa parecer, através do visionamento do vídeo, sem dar por mim, deparei-me a observar-me a um “espelho”…

Digamos que, ao espelho da vida…

Também, em algumas das facetas apresentadas, me surpreendi com as imagens que visionava, cujas legendas ia lendo com redobrada atenção…

Hoje, foi o dia de eu enfrentar a verdade!

Confrontado com o que tinha observado e lido no vídeo, tendo ainda na memória as palavras proferidas pelo meu amigo, acabei por reequacionar o meu pensamento sobre José Saramago, tentando separar o trigo do joio. Ou melhor, dito de outra forma, separando as águas…

Em abono da verdade, o que sempre me opôs em relação a José Saramago, deve-se, sobretudo, ao facto de ele ter defendido, à escala universal, a integração de Portugal na Espanha, ou seja, a anexação de Portugal à Espanha. Em minha opinião, um absurdo total, revelador de falta sentido e de amor à Pátria, o que me levou, também, a escrever e a publicar um artigo muito contundente e arrasador, reprovando a sua atitude.

Hoje, à distância no tempo, agora, reflectindo com mais ponderação e objectividade, questiono-me:

- Assistir-me-ia o direito de eu reagir de forma tão acutilante e revestido de uma certa agressividade para com José Saramago?

Objectivamente, algo deve ter concorrido, para que José Saramago assumisse essa atitude…


Rebuscando no “sótão” das minhas “recordações”, constato que, em 1991, José Saramago publicou o Livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, onde reescreve o livro sagrado sob a óptica de um Cristo que não é Deus e se revolta contra o seu destino e onde, a fundo, questiona o lugar de Deus, do cristianismo, do sofrimento e da morte.

No ano seguinte, em 1992, quando da disputa do Prémio Literário Europeu, o sub-secretário de Estado da Cultura, Sousa Lara, com o apoio do então Primeiro-Ministro, Aníbal Cavaco Silva, vetou a inscrição do livro por considerar que “atentava contra a moral cristã”, ou seja, “ofensivo para o catolicismo do Povo Português”.

Se até aí, o seu relacionamento com Portugal, por razões estritamente ideológicas, já estava degradado, com este acto, que, pessoalmente, considero mais do que provocatório, censório, do Governo Português, José Saramago torna-se uma “fera” ferida no mais profundo do seu âmago, como homem e como escritor. E, como tal, reage!

Face a tal veto, que considera censório e discriminatório, para quem sempre se assumiu como ‘ateu’, José Saramago mudou-se de Portugal, passando a fixar residência em Espanha, na ilha de Lanzarote, nas Ilhas Canárias, um país que, ao longo da sua História, sempre se evidenciou pelo seu sentido de catolicismo.

É no seu escritório em Lanzarote que José Saramago escreve um dos seus romances mais conhecidos, o “Ensaio sobre a Cegueira” e outros se lhe antecederam e sucederam…

Posto isto, de novo, volto a questionar-me:

- Será que a José Saramago, um cidadão livre, não lhe assiste o direito de livremente exprimir o seu pensamento?

- A José Saramago, como cidadão português, não lhe assistirá o direito de opção ideológica e religiosa, e, como tal, se manifestar, inclusive assumir-se como ‘ateu’, da mesma forma como eu, que sou cristão e me considero um católico convicto?

- Ou será que já estamos a caminhar a passos largos para uma nova Inquisição?

Conclusão

Hoje, quando são decorridas quase duas décadas, o que nos é dado constatar?

• Em 1995, três anos depois, José Saramago, que havia sido vetado para o Prémio Literário Europeu, ganhou o mais importante prémio literário da língua portuguesa: o Prémio Camões.

• Em 1998, seis anos depois, foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, o primeiro concedido a um escritor de Língua Portuguesa.

• Depois da “reconciliação” entre o escritor José Saramago e o Estado português, através do então Primeiro-Ministro, Durão Barrosa, o ex-sub-secretário de Estado da Cultura, Sousa Lara, persiste que não está arrependido da decisão que tomou há 18 anos…

• Hoje, mesmo após a sua morte, é considerado o responsável pelo efectivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa.

• No entanto, uma diferença abismal sempre subsistirá entre Sousa Lara e José Saramago:

Sousa Lara, quando morrer, “estava mas agora já não está”, para nunca mais; José Saramago morreu e continuará até ao fim dos séculos na sua genial Obra, incluindo o seu “Evangelho”, porque se tornou num “Imortal”.

Como cristão e católico, por educação e formação, sempre me foi ensinado e dito, que para julgar só Deus. E, como tal, sempre tenho pautado as minhas atitudes comportamentais e não só!

Que errar é próprio do homem. Só não erra quem nada faz, o que já de si, também constitui um erro….

Que quem sabe reconhecer os seus próprios erros só revela inteligência e dignidade.

De onde se pode concluir, que Deus sempre escreve direito por linhas tortas!

* * *

No entanto, para que se possa entender, claramente, José Saramago, quanto ao seu conceito de ‘escrita’, importa sempre ter presente, sobretudo, quando nos diz, sem rodeios e com toda a frontalidade e objectividade, que:

Escrever é traduzir. Mesmo quando estivermos a utilizar a nossa própria língua. Transportamos o que vemos e o que sentimos para um código convencional de signos, a escrita e deixamos às circunstâncias e aos acasos da comunicação a responsabilidade de fazer chegar à inteligência do leitor, não tanto a integridade da experiência que nos propusemos transmitir, mas uma sombra, ao menos, do que no fundo do nosso espírito sabemos bem ser intraduzível, por exemplo, a pura emoção de um encontro, o deslumbramento de uma descoberta, esse instante fugaz de silêncio anterior à palavra que vai ficar na memória como o rasto de um sonho que o tempo não apagará por completo.”

* * *

José Saramago faleceu no dia 18 de Junho de 2010, aos 87 anos de idade, na sua casa em Lanzarote onde residia com a esposa, de segundas núpcias, Pilar del Rio, vítima de leucemia crónica. O escritor estava doente havia algum tempo e o seu estado de saúde agravara-se na sua última semana de vida.

O seu funeral teve Honras de Estado, tendo o seu corpo sido cremado no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa.

Com a sua morte, ficaram debeladas as controvérsias a que nunca se furtou e que, interventivamente, procurava.

Esta, a marca que ficará na mente e no coração do Povo Português será o legado que José Saramago deixará e isso compete à História decidir.

* * *

Para finalizar, aqui deixo o meu mais profundo Bem Haja!, aos Meus Bons Amigos, Dra. Gabriela F. Silva, da Região Autónoma dos Açores, e ao Paulo Jorge da Eira Trigo, de Chaves (Vila Real).

Em boa verdade, directa e indirectamente, foram os grandes obreiros do “sensibilizar e despertar”, embora tardio, da minha consciência para a procura e reconhecimento da verdade, em relação a José Saramago, sem os quais não teria sido possível a realização deste trabalho, o que significa dizer que, na vida “tudo é relativo”, nem sempre há “verdades” definitivas...

Como sempre disse, digo e direi, a verdade apresenta-se-nos sob duas faces, uma a que nos é visível, sendo a outra, embora nem sempre coincidente e rigorosa nos seus contornos, a que nos é apresentada.

A todos nós, seres humanos e responsáveis, dotados de razão e consciência, na nossa interacção devemos agir em relação aos outros, sem distinção de qualquer espécie (seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição), com espírito de fraternidade, pelo que, a cada momento, nos cabe, sempre, saber fazer a separação do trigo do joio. Ou, melhor dizendo, a separação das águas…



“No dia em que eu calar a voz da minha consciência,
terei perdido toda a minha liberdade e dignidade!

Paulo M. A. Martins”

* * *

Brasil, Fortaleza (CE), 10 a 12 de Julho de 2010.
Paulo M. A. Martins
Jornalista
Radicado no Brasil, em Fortaleza (CE).

quinta-feira, 8 de julho de 2010

* NOVAS LEIS DA RÁDIO E DA TELEVISÃO: UM ABSURDO!

Ontem, quarta-feira, dia 7 de Junho, a Assembleia da República avaliou e discutiu na generalidade, duas propostas de Lei e dois projectos de Lei da maior importância para o futuro da Comunicação Social portuguesa.

Em causa, estão duas propostas do Governo, sendo uma a que visa aprovar uma nova Lei da Rádio e, a outra, a que revê a Lei da Televisão. Assim como, um projecto do BE - Bloco de Esquerda no sentido de proceder à alteração da Lei sobre os Estatutos da RTP e outro do PCP - Partido Comunista Português para a revisão do Estatuto do Jornalista.

Na passada legislatura, com o veto do Presidente da República, havia sido gorada a chamada Lei da Não Concentração de Meios, a qual definia regras sobre a transparência da propriedade e estabelecia alguns limites, embora insuficientes, quanto à Concentração de Meios.

De novo, o Governo veio, agora, pretender contornar o "problema", regulando essas matérias nas propostas de Lei da Rádio e da Televisão que fez subir ao Parlamento.

O recurso agora usado, para não dizer a “estratégia”, traduz, supostamente, o propósito de alargar as normas sobre transparência da propriedade dos órgãos de informação e sobre a não Concentração de Meios. No entanto, tais objectivos, definitivamente, não são alcançados com estas propostas.

Pelo contrário. Se vierem a ser aprovadas, o Governo cede completamente aos interesses instalados que ambicionam um quadro em que seja possível ainda uma maior concentração dos meios.

De facto, só no que diz respeito à Lei da Rádio, a proposta apresentada passa o actual limite de cinco rádios que podem ser detidas pela mesma entidade para nada menos de 34 rádios de âmbito local, a que acresce um número ainda indeterminado de rádios regionais mas que pode chegar à dezena.

Poderá argumentar-se, para atenuar o efeito da concentração, que a proposta contém a garantia de que as rádios pertencentes à mesma entidade não podem operar em áreas contíguas, mas essa garantia, para além de muito fraca, é inconsistente, pois, como é do domínio público, inúmeras são as emissões locais sintonizadas, escutadas, a longas distâncias, chegando a ultrapassar vários municípios.

Só a título de exemplo, a Rádio Voz de Almada, em Almada, na Região da Grande Lisboa, é sintonizada, com boa qualidade, ao longo da costa algarvia…

O enorme poder de intervenção no espaço público que fica aberto aos Grupos de Media não se circunscreve apenas à titularidade das empresas de rádio, uma vez que as permitidas emissões em cadeia e a colaboração entre rádios adensam, sobremaneira, a possibilidade de controlo de um número ainda mais vasto de estações emissoras.

Neste contexto, são, desta forma, potenciados os riscos de redução da diversidade e do pluralismo, transformando-se as rádios em meros repetidores de emissões uniformizadas e centralizadas num posto único de produção de conteúdos – informativos e outros – e de comando da sua difusão, divorciadas das realidades locais, que é suposto servirem.

Com a adopção deste quadro, ficam criadas, também, as condições objectivas para aumentar o desemprego dos jornalistas e de outros trabalhadores, o que compromete o objectivo de profissionalização que o Governo diz pretender: com conteúdos produzidos numa central e distribuídos "a granel", será maior a tendência para reduzir os quadros privativos das Estações de Rádio.

Mas o desiderato manifestado de fomentar a profissionalização no sector sai totalmente gorado quando, a par da redução de postos de trabalho que a maior concentração se propõe gerar, introduz a possibilidade objectiva de substituir jornalistas profissionais por meros colaboradores em nada menos de metade do tempo diário de informação. O que já se verifica em muitas rádios locais…

Já quanto à Televisão, o Governo introduz limites muito generosos para a Concentração de Meios: 40% das licenças na mesma área de cobertura, sendo a proposta de lei omissa quanto à acumulação de licenças de televisão no resto do país e, também, quanto à acumulação com licenças de rádio.

Objectivamente, o Governo abre o caminho para uma ampla concentração de licenças de rádio e de televisão nas mãos de um reduzido número de detentores.

Por outro lado, o Governo tem repetido, e o ministro dos Assuntos Parlamentares deu garantias nesse sentido, que não pretende e não prevê a privatização da Rádio e Televisão de Portugal, mas, na sua proposta de lei, elimina a garantia de que o serviço público de radiodifusão seja assegurado pela Rádio e Televisão de Portugal, SA, empresa de capitais públicos, e deixa a Lei da Televisão omissa quanto à titularidade da concessionária.

Neste contexto, objectivamente, segundo o SJ – Sindicato dos Jornalistas, subsiste o entendimento claro de ser chegada a hora da clarificação de posições do poder político neste domínio: as Leis da Rádio e da Televisão devem estabelecer expressamente que os serviços públicos de rádio e de televisão sejam assegurados por empresas de capitais exclusivamente públicos, pois só assim ficam consagrados os fins para que os mesmos foram criados.

No que se refere ao projecto de alteração aos Estatutos da RTP, apresentado pelo BE - Bloco de Esquerda, circunscreve-se a duas únicas questões: uma sobre a forma de escolha do presidente do Conselho de Administração da Empresa, prevendo que seja eleito pela Assembleia da República por maioria de dois terços e, a outra, sobre o Programa Estratégico do presidente, prevendo que o mesmo seja aprovado pelo Parlamento.

Se, no que concerne à primeira questão, o projecto é positivo, traduzindo, aliás, uma antiga proposta do próprio Sindicato dos Jornalistas, já quanto à segunda é susceptível de suscitar algumas reservas, especialmente que seja a Assembleia da República a aprovar objectivos como sejam as audiências.

Já quanto ao projecto de alteração do Estatuto do Jornalista, apresentado pelo PCP - Partido Comunista Português, designadamente no que respeita a normas sobre os direitos de autor, competências e direitos dos membros dos conselhos de redacção e direitos e garantias dos jornalistas no exercício da profissão, incorpora, também, propostas e posições assumidas pelo Sindicato dos Jornalistas, as quais procuram corrigir as alterações aprovadas na legislatura anterior. No entanto, o Sindicato dos Jornalistas considera e reconhece, ainda, que o Estatuto do Jornalista carece também de alteração noutras matérias.

Conclusão

O Primeiro-Ministro, o Governo e o Partido Socialista, como se pode verificar através dos seus Diplomas que, hoje, vão estar em discussão na Assembleia da República, embora se apresentem “travestidos de inocentes cordeirinhos”, continuam a insistir e a persistir em, directa ou indirectamente, de uma forma agressiva e obstinada, exercer um controlo efectivo e rígido sobre os meios de Informação, com efeitos redutores e de coação sobre os seus profissionais.

Efectivamente, quando um Primeiro-Ministro, como José Sócrates, pensa uma coisa, depois diz outra para concluir de forma diferente, como nos tem habituado ao longo dos seus mandatos, já tudo é de esperar quanto à sua “boa fé”.

Nomeadamente, depois de termos assistido aos vergonhosos casos Mário Crespo, Manuela Moura Guedes e ainda o “Caso PT / TVI”, assim como à perseguição desmedida a alguns jornalistas, com a colaboração de encobrimento do Procurador-Geral da República, que, depois, acabaram por ver, como hoje, os processos arquivados…

Os Diplomas, agora, apresentados pelo Governo à Assembleia da República, constituem uma forma “hábil e inteligente” de contornar o veto presidencial da legislatura anterior, assim como de violar, objectivamente, a Constituição da República, ludibriar o Presidente da República e os restantes partidos políticos, assim como os Portugueses incrédulos, ultrapassando o próprio Estado de Direito Democrático...

A serem aprovados, pela Assembleia da República, na generalidade e, depois, na especialidade, os Diplomas que vão ser discutidos hoje, ainda nos resta a intervenção do Presidente da República que, de boa fé, poderá ser influenciado pela sua homologação final…

Estará o Primeiro-Ministro, José Sócrates, a querer, por caminhos paralelos, mas com os mesmos objectivos “imitar, mal e porcamente” os cenários da Venezuela e “os gloriosos feitos” de Hugo Chavez, no que concerne à Comunicação Social, particularmente às Televisões já encerradas?

Se não é, com os Diplomas que vão ser apreciados hoje, se aprovados, é para lá que caminhamos velozmente!

Boa sorte, Comunicação Social Portuguesa!

Boa sorte, Portugal!