segunda-feira, 12 de julho de 2010

JOSÉ SARAMAGO: “Tu estavas mas agora já não estás. Isso é a morte” … * RECONCILIAÇÃO *

Paulo M. A. Martins
Jornalista
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paulo.m.a.martins@gmail.com
http://www.paulomamartins.blogspot.com



José Saramago morreu, ou melhor, segundo o seu conceito de morte, “tu estavas mas agora já não estás. Isso é a morte”. Mas deixou a continuação de si na Obra genial que vai manter para sempre, na Humanidade, a sua memória.

Imediatamente, após a morte de José Saramago, para grande surpresa minha, um bom amigo, de Trás-os-Montes, em Portugal, que, desde há já três anos, sempre insiste em me tratar por “Compadre Reitor”, dada a grande admiração e confiança que sempre revelou ter por mim, pelos meus trabalhos de análise de natureza jornalística, particularmente sobre a actualidade política portuguesa, fez-me chegar às mãos um texto onde, com muita diplomacia e elegância, manifestava-me a sua frontal discordância, sobre um texto que eu havia publicado e alguns comentários produzidos, reveladores de uma certa acutilância e alguma agressividade…

Trata-se de um jovem, na flor da vida, que vive com os pais e uma irmã, a quem a brutalidade de um acidente o colocou na situação, nada confortável e muito menos animadora, de ‘paraplégico’, embora revelando muita cultura, vivência da vida possível, dadas as sua limitações, com uma sensibilidade invulgar, humilde, ciente dos seus direitos de cidadania e, sobretudo, com muita vontade de viver a vida, a quem eu, também, sempre que disponível, procuro corresponder através algumas conversas, via ‘internet’.

Inclusive, dadas algumas afinidades reveladas na nossa interacção, mas nem sempre unanimidades de pontos de vista, como o caso, tenho-lhe facultado, também, em muitas ocasiões, ainda em primeira leitura, alguns dos meus trabalhos antes de editar.

O seu texto e subsequentes comentários, pelo respeito e admiração que me merece, de certa forma, me deixou algo apreensivo e, sobretudo, preocupado por, eventualmente, ter revelado alguma injustiça nas avaliações sobre José Saramago, então produzidas.

Agora, da Região Autónoma dos Açores, de uma boa amiga açoriana, que muito admiro e estimo, chega-me um excelente vídeo sobre José Saramago, onde são apresentadas algumas das passagens mais expressivas da sua vida, que, de certa forma, me conseguiram sensibilizar. E de tal ordem, que procedi a dois visionamentos consecutivos.

Sinceramente, devo confessar que, por variadas razões, nunca fui grande admirador do nosso Nobel da Literatura e, apesar de laureado, muito menos, dos seus livros…

Por incrível que possa parecer, através do visionamento do vídeo, sem dar por mim, deparei-me a observar-me a um “espelho”…

Digamos que, ao espelho da vida…

Também, em algumas das facetas apresentadas, me surpreendi com as imagens que visionava, cujas legendas ia lendo com redobrada atenção…

Hoje, foi o dia de eu enfrentar a verdade!

Confrontado com o que tinha observado e lido no vídeo, tendo ainda na memória as palavras proferidas pelo meu amigo, acabei por reequacionar o meu pensamento sobre José Saramago, tentando separar o trigo do joio. Ou melhor, dito de outra forma, separando as águas…

Em abono da verdade, o que sempre me opôs em relação a José Saramago, deve-se, sobretudo, ao facto de ele ter defendido, à escala universal, a integração de Portugal na Espanha, ou seja, a anexação de Portugal à Espanha. Em minha opinião, um absurdo total, revelador de falta sentido e de amor à Pátria, o que me levou, também, a escrever e a publicar um artigo muito contundente e arrasador, reprovando a sua atitude.

Hoje, à distância no tempo, agora, reflectindo com mais ponderação e objectividade, questiono-me:

- Assistir-me-ia o direito de eu reagir de forma tão acutilante e revestido de uma certa agressividade para com José Saramago?

Objectivamente, algo deve ter concorrido, para que José Saramago assumisse essa atitude…


Rebuscando no “sótão” das minhas “recordações”, constato que, em 1991, José Saramago publicou o Livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, onde reescreve o livro sagrado sob a óptica de um Cristo que não é Deus e se revolta contra o seu destino e onde, a fundo, questiona o lugar de Deus, do cristianismo, do sofrimento e da morte.

No ano seguinte, em 1992, quando da disputa do Prémio Literário Europeu, o sub-secretário de Estado da Cultura, Sousa Lara, com o apoio do então Primeiro-Ministro, Aníbal Cavaco Silva, vetou a inscrição do livro por considerar que “atentava contra a moral cristã”, ou seja, “ofensivo para o catolicismo do Povo Português”.

Se até aí, o seu relacionamento com Portugal, por razões estritamente ideológicas, já estava degradado, com este acto, que, pessoalmente, considero mais do que provocatório, censório, do Governo Português, José Saramago torna-se uma “fera” ferida no mais profundo do seu âmago, como homem e como escritor. E, como tal, reage!

Face a tal veto, que considera censório e discriminatório, para quem sempre se assumiu como ‘ateu’, José Saramago mudou-se de Portugal, passando a fixar residência em Espanha, na ilha de Lanzarote, nas Ilhas Canárias, um país que, ao longo da sua História, sempre se evidenciou pelo seu sentido de catolicismo.

É no seu escritório em Lanzarote que José Saramago escreve um dos seus romances mais conhecidos, o “Ensaio sobre a Cegueira” e outros se lhe antecederam e sucederam…

Posto isto, de novo, volto a questionar-me:

- Será que a José Saramago, um cidadão livre, não lhe assiste o direito de livremente exprimir o seu pensamento?

- A José Saramago, como cidadão português, não lhe assistirá o direito de opção ideológica e religiosa, e, como tal, se manifestar, inclusive assumir-se como ‘ateu’, da mesma forma como eu, que sou cristão e me considero um católico convicto?

- Ou será que já estamos a caminhar a passos largos para uma nova Inquisição?

Conclusão

Hoje, quando são decorridas quase duas décadas, o que nos é dado constatar?

• Em 1995, três anos depois, José Saramago, que havia sido vetado para o Prémio Literário Europeu, ganhou o mais importante prémio literário da língua portuguesa: o Prémio Camões.

• Em 1998, seis anos depois, foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, o primeiro concedido a um escritor de Língua Portuguesa.

• Depois da “reconciliação” entre o escritor José Saramago e o Estado português, através do então Primeiro-Ministro, Durão Barrosa, o ex-sub-secretário de Estado da Cultura, Sousa Lara, persiste que não está arrependido da decisão que tomou há 18 anos…

• Hoje, mesmo após a sua morte, é considerado o responsável pelo efectivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa.

• No entanto, uma diferença abismal sempre subsistirá entre Sousa Lara e José Saramago:

Sousa Lara, quando morrer, “estava mas agora já não está”, para nunca mais; José Saramago morreu e continuará até ao fim dos séculos na sua genial Obra, incluindo o seu “Evangelho”, porque se tornou num “Imortal”.

Como cristão e católico, por educação e formação, sempre me foi ensinado e dito, que para julgar só Deus. E, como tal, sempre tenho pautado as minhas atitudes comportamentais e não só!

Que errar é próprio do homem. Só não erra quem nada faz, o que já de si, também constitui um erro….

Que quem sabe reconhecer os seus próprios erros só revela inteligência e dignidade.

De onde se pode concluir, que Deus sempre escreve direito por linhas tortas!

* * *

No entanto, para que se possa entender, claramente, José Saramago, quanto ao seu conceito de ‘escrita’, importa sempre ter presente, sobretudo, quando nos diz, sem rodeios e com toda a frontalidade e objectividade, que:

Escrever é traduzir. Mesmo quando estivermos a utilizar a nossa própria língua. Transportamos o que vemos e o que sentimos para um código convencional de signos, a escrita e deixamos às circunstâncias e aos acasos da comunicação a responsabilidade de fazer chegar à inteligência do leitor, não tanto a integridade da experiência que nos propusemos transmitir, mas uma sombra, ao menos, do que no fundo do nosso espírito sabemos bem ser intraduzível, por exemplo, a pura emoção de um encontro, o deslumbramento de uma descoberta, esse instante fugaz de silêncio anterior à palavra que vai ficar na memória como o rasto de um sonho que o tempo não apagará por completo.”

* * *

José Saramago faleceu no dia 18 de Junho de 2010, aos 87 anos de idade, na sua casa em Lanzarote onde residia com a esposa, de segundas núpcias, Pilar del Rio, vítima de leucemia crónica. O escritor estava doente havia algum tempo e o seu estado de saúde agravara-se na sua última semana de vida.

O seu funeral teve Honras de Estado, tendo o seu corpo sido cremado no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa.

Com a sua morte, ficaram debeladas as controvérsias a que nunca se furtou e que, interventivamente, procurava.

Esta, a marca que ficará na mente e no coração do Povo Português será o legado que José Saramago deixará e isso compete à História decidir.

* * *

Para finalizar, aqui deixo o meu mais profundo Bem Haja!, aos Meus Bons Amigos, Dra. Gabriela F. Silva, da Região Autónoma dos Açores, e ao Paulo Jorge da Eira Trigo, de Chaves (Vila Real).

Em boa verdade, directa e indirectamente, foram os grandes obreiros do “sensibilizar e despertar”, embora tardio, da minha consciência para a procura e reconhecimento da verdade, em relação a José Saramago, sem os quais não teria sido possível a realização deste trabalho, o que significa dizer que, na vida “tudo é relativo”, nem sempre há “verdades” definitivas...

Como sempre disse, digo e direi, a verdade apresenta-se-nos sob duas faces, uma a que nos é visível, sendo a outra, embora nem sempre coincidente e rigorosa nos seus contornos, a que nos é apresentada.

A todos nós, seres humanos e responsáveis, dotados de razão e consciência, na nossa interacção devemos agir em relação aos outros, sem distinção de qualquer espécie (seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição), com espírito de fraternidade, pelo que, a cada momento, nos cabe, sempre, saber fazer a separação do trigo do joio. Ou, melhor dizendo, a separação das águas…



“No dia em que eu calar a voz da minha consciência,
terei perdido toda a minha liberdade e dignidade!

Paulo M. A. Martins”

* * *

Brasil, Fortaleza (CE), 10 a 12 de Julho de 2010.
Paulo M. A. Martins
Jornalista
Radicado no Brasil, em Fortaleza (CE).

2 comentários:

  1. Meu Caro Paulo Martins,

    Permita-me que o trate assim, embora só o conheça através dos seus escritos, em especial dos seus comentários no blogue do nosso comum Amigo Jorge Paz.

    Nos meus 70 anos, vividos em diversas partes deste nosso mundo, tenho vivido e aprendido mais com as Pessoas do que nos bancos da Escola.

    Para mim, por cima de tudo está a Honra, a Honestidade, a Ética de qualquer Homem. Quando este Homem é um escritor, tenho que exigir-lhe o dobro das qualidades - ou as qualidades em dobro, o que parecendo o mesmo, não o é - já que um Escritor tem que ter por base uma vivencia sã, um carácter vertical, uma nobreza à prova de bala, ou tudo o que escrever não passam de sonhos de infância que nada enriquecem os possíveis leitores.

    É aqui que divergimos.

    Para mim Saramago pode ter sido um bom escritor de ficção, sem fundamento, já que a sua vida não foi paralela com os pseudo ensinamentos que pretendia transmitir.

    A história do Nobel ainda está por escrever, é tudo muito recente, falta a distância temporal. Noto, contudo, que tanto o Nobel da Literatura como o da Paz foram muitas vezes atribuidos tendo por base "leituras políticas", nem sempre de acordo com verdadeiros princípios éticos.

    Quando um "chefe" retira o pão da boca a 24 famílias por razões políticas, tal "chefe" não merece qualquer encómio.

    Desculpe-me ser frontal ... já não tenho idade para dexar de o ser.

    Aceite os meus cumprimentos de amizade
    a formiga

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  2. Meu bom amigo:

    Desde que quase assisti ao saneamento político de 24 jornalistas do "D.N.", quando Saramago era director-adjunto a desempenhar as funções de director, por não serem de "esquerda", vi que o mesmo não passava de um ferrenho estalinista, capaz de todas as "purgas"...

    Dos 3 livros dele que tentei ler, só consegui acabar "O ano da morte de Ricardo Reis", pois "O Memorial do convento" e mais recentemente o "Ensaio sobre a cegueira", considerei-os intragáveis.

    Não estou a habilitado a dizer que o Prémio Nobel foi justo ou injusto, mas lá que houve um lobby poderoso por detrás, lá isso houve.

    Depois, que dizer de um homem que considerava que Portugal devia ser uma província" de Espanha?

    E que dizer de um homem que, bem recentemente, ainda louvava Cuba, a Coreia do Norte e outras ditaduras?

    Lamento, mas, como humanista, apenas se me afigura certo desejar Paz à sua Alma!

    Um grande abraço.

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Caríssimas(os),
Minhas (Meus) Boas (Bons) Amigas(os),

Antes de mais, queiram aceitar as minhas afectuosas saudações.

Uma nova postagem está à vossa disposição em e, como tal,faço chegar ao vosso conhecimento, podendo, inclusive, desde já, se assim o entenderem, para além da leitura, produzir os vossos comentários.

Bem Hajam!

Paulo M. A. Martins